Exposições
Mauro Pinto apresenta "Blackmoney"
Exposição individual do artista Moçambicano, Mauro Pinto, na Galeria 111, em Lisboa, com um conjunto de 17 fotografias.
19 Set a 9 Out 2020
Esta é uma das razões para termos atenção aos títulos das suas obras, que não são óbvios no sentido de legendarem um retrato, porque são, de facto, maioritariamente entradas para um índice que se vai construindo como um inquérito sobre as pessoas e o meio onde vivem, a sua cultura, as condições de trabalho e da sua subsistência. Assim, o título destasérie que vemos exposta, “Blackmoney”, é uma chamada de atenção para o valor da força do trabalho humano, que nos confronta ao observarmos figuras e fragmentos de corpos marcados pela violência e dureza da extracção de minério e de combustíveis fósseis, neste caso na província de Tete, em Moçambique. Mas estas imagens não ficam reféns de uma geografia local retratada de forma episódica. Pelo contrário, são sinalizações da acção coerciva de políticas e intervenções empresariais que vão subtraindo, ali e noutras áreas do mundo, a sustentabilidade, a cultura e a dignidade humana como força necessária ao trabalho nas entranhas da terra. A terra é dura, poderosa na sua riqueza e trabalhada com artefactos e ferramentas manuais a que só a potência, quase exaurida, daqueles corpos concede ainda uma utilidade precária. Nas fotografias, de grande rigor visual e plástico, vemos os corpos modelados pela força extrema do seu labor, que nos vai revelando uma antropomorfia gretada e de olhar distante, como por exemplo no excelente retrato de perfil, que perpetua a crueza do silêncio, mas possui simultaneamente uma grandiosidade que resgata a dignidade humana que resiste à negritude cintilante da terra cor de hulha. Desta forma, as fotografias da série “Blackmoney” podem ser entendidas como o dinheiro negro, numa tradução mais literal, que é o valor dos meios de trabalho para a extracção dos diferentes minérios. O valor das máquinas humanas, dos homens que sobrevivem à paisagem obscura, pontuada pelo brilho mineral que contamina as ferramentas, os rostos, os pés descalços, as mãos firmes e a caminhada de regresso à superfície, numa fotografia poderosa e subtil que nos reenvia, enquanto composição no campo da imagem, para o grande plano cinematográfico. Um homem sentado, aparentemente cego do olho esquerdo e apoiado numa pá, olha-nos com uma tranquilidade desarmante e resiliente.
João Silvério