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Exposições

"Fenestra", a nova exposição de Alexandre Farto aka VHILS

Uma instalação de vídeo imersiva onde fragmentos de diferentes cidades são projectados nas quatro paredes do espaço expositivo da galeria.

14 Mai a 12 Jun 2021

Galeria Vera Cortês
R. João Saraiva 16, 1º, 1700-250 Lisboa


Prisioneiros na Cidade Global

Desde 2014 que Vhils (Alexandre Farto) filma, em velocidades extremamente lentas, vistas banais de cidades de todo o mundo: Beijing, Cincinnati, Hong Kong, Lisboa, Los Angeles, Macau, Mexico City, Paris e Shanghai, são algumas das cidades onde trabalhou e que aqui nos envolvem e prendem.

Em 2018, nos espaços do centro cultural Cent Quatre, em Paris, Vhils apresentou uma primeira versão do conjunto desses registos urbanos. Tratava-se de uma sequência de projeções planas cada uma dela simulando, pela sua dimensão, a monumentalidade dos ecrãs panorâmicos. A escala estabelecida entre a imagem projetada e o espectador criava um confronto direto deste com os espaços urbanos registados, com a arquitetura envolvente, os peões e carros passantes. O espectador seguia a lenta deslocação dos elementos visuais registados em cada “panorama” e integrava--se neles alterando sem disso se aperceber a sua própria velocidade de circulação no espaço da exposição.

Agora, na Galeria Vera Cortês, fragmentos dessas mesmas cidades são projetados nas quatro paredes de um espaço contido e interior. A solução encontrada é inteiramente diversa. Segundo uma lógica de carrossel de imagens as cidades sucedem-se/encadeiam-se num travelling infinito e o espectador é rodeado pela corrente de imagens sem delas se conseguir libertar, como se estivesse preso numa armadilha visual. A banalidade das tomadas de vista em cada cidade (exibindo raramente sinais de fácil reconhecimento de cada uma delas) confunde-as entre si e obriga-nos a um constante jogo de identificação. O registo não-ficcional, mas documental ou evocativo dos registos simples das câmaras de vigilância separa este projeto de justificações estetizantes, auto-referenciais ou procuradas na história da arte. Esse baralhar de referências, esse confinamento espacial, mas também o regime que rege o fluxo visual proposto, são elementos essenciais na definição daa situação de sujeição e constrangimento do espectador - o ritmo lento das imagens obriga-nos a um tempo de atenção/observação que se revela incómodo e nos conduz à exasperação; ou somos tomados, nesse rodopio, por uma espécie de fascinação e vertigem horizontal.

Vhils usa registos obtidos num tempo pré-pandémico nas grandes metrópoles do mundo globalizado. Ou seja, Vhils trabalhou estas imagens num mundo ainda acelerado e vertiginoso que se considerava imune a todo retrocesso e a qualquer travagem. Mas, ao submeter as imagens banais que foi recolhendo a uma brutal desaceleração, Vhils como que antecipou a crise que agora vivemos - ao mito da velocidade moderna, contemporânea (e mesmo pós-moderna) contrapôs uma lentidão metafórica inusitada que 2020 tornou real, embora não se tenha encontrado ainda nem nome nem ideologia para a definir.

O habitante anónimo das cidades tal como Gogol, Poe ou Baudelaire o definiram no séc. XIX, a quem o séc. XX acentuou as características de isolamento e massificação, transformando-o de personagem literário em personagem fílmico, é confrontado, agora e aqui, com a sua própria impotência e desespero finais. O corpo e o destino global dos seres globais de todas as cidades do mundo existem e são mergulhados aqui numa atmosfera demasiado densa para que possam deslocar-se normalmente; e os acontecimentos simples que protagonizam (atravessar uma rua, andar num passeio, encontrar um interlocutor, olhar uma fachada), ao desenvolverem-se no ritmo de arrastamento que lhes é imposto, como que ficam impedidos de realmente se concluírem, ou somos nós, espectadores, que ficamos impedidos de assistir à sua conclusão - tudo fica suspenso num entre-tempo que se eterniza.

A lentidão que estas obras apresentam, não resulta numa travagem capaz de nos conduzir a uma plataforma de descanso; nem a desaceleração a que nos obrigam nos conduz a qualquer porto de paz. A verdade é que nós mesmos - não importa o tempo nem a velocidade, não importa o nosso estatuto nem nome da cidade em que vive-mos - ficamos prisioneiros da mesma armadilha que prende todos figurantes destes vastos frescos urbanos concebidos por Vhils.

Lisboa, 30 abril 2021
João Pinharanda

O artista português Alexandre Farto aka Vhils (n. 1987) tem desenvolvido uma linguagem visual singular com base na remoção das camadas superficiais de paredes e outros suportes através de ferramentas e técnicas não convencionais, estabelecendo reflexões simbólicas sobre a identidade, a relação de interdependência entre pessoas e o meio circundante, e a vida nas sociedades urbanas contemporâneas, assim como o impacto do desenvolvimento, da passagem do tempo e da transformação material. Tendo começado a interagir com o espaço urbano através da prática do graffiti no começo da década de 2000, Vhils tem sido aclamado como um dos mais inovadores artistas da sua geração. Os seus poéticos e comoventes retratos gravados em paredes delapidadas podem ser vistos a adornar paisagens urbanas pelo mundo fora. Com base na sua estética do vandalismo, Vhils destrói para criar – entalhando, cortando, perfurando e fazendo explodir através das camadas dos materiais. Porém, como um arqueólogo, Vhils remove de forma a expor, revelando a beleza que se encontra soterrada sob a superfície das coisas.~

Desde 2005, já apresentou o seu trabalho em mais de 30 países à volta do mundo em exposições individuais e coletivas, intervenções site-specific, eventos e projetos artísticos em contextos vários – de trabalhos comunitários em favelas no Rio de Janeiro a colaborações com reputadas instituições artísticas e museológicas como o Contemporary Arts Center, Cincinnati (2020); Le Centquatre-Paris, Paris (2018); CAFA Art Museum, Pequim (2017); Hong Kong Contemporary Art Foundation, Hong Kong (2016); Palais de Tokyo, Paris (2016); Fundação EDP, Lisboa (2014); e o Museum of Contemporary Art San Diego, San Diego (2010), entre outras. Um ávido experimentalista, além da sua inovadora técnica de escultura em baixo-relevo – que forma a base do projeto “Scratching the Surface” –, Vhils tem desenvolvido a sua estética pessoal numa multiplicidade de suportes: da pintura com stencil à gravura em metal, de explosões pirotécnicas e vídeo a instalações esculturais. Também já realizou vários videoclipes, curtas metragens e duas produções de palco. Encontra-se representado em diversas coleções públicas e privadas em vários países.

Horário
Terça–Sexta: das 14h às 19h
Sábado: das 10h às 13h e das 14h às 19h


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