Ópera
Carmen
Obra-prima de Bizet, numa produção do aclamado encenador Calixto Bieito, inaugura temporada lírica do São Carlos.

6 Out a 14 Out 2016
A partir de dia 6 de outubro, sobe ao palco uma produção pouco convencional, interpretada por um inédito elenco que reúne talentos nacionais e internacionais, aos quais se juntam o Coro do Teatro Nacional de São Carlos e a Orquestra Sinfónica Portuguesa.
Logo após a sua publicação em 1845, Carmen, a novela de Prosper Mérimée foi rotulada de chocante e escandalosa. Trinta anos mais tarde, Georges Bizet estreia a “sua” Carmen em Paris e, desde então, é uma das óperas mais frequentemente encenadas em todo o mundo.
A história da cigana que não hesita morrer em nome da liberdade e do amor, permanece um dos mais impressionantes e imutáveis mitos contemporâneos que lidam com a misteriosa natureza da Mulher. Com o passar dos anos, Carmen, revisitada por inúmeros encenadores, ganhou novas facetas e leituras. Porém, perdura o elemento essencial: Carmen, a anti-heroína fatal é o centro inflexível de todas as versões.
Carmen regressa a São Carlos, agora na encenação de Calixto Bieito. Segundo o encenador catalão, "do meu ponto de vista, esta ópera trata de limites, de fronteiras físicas e emocionais entre as pessoas, lida com a liberdade, com o amor e a violência, com a dor, desespero e solidão. Carmen é uma jovem enquadrada por uma vida difícil na qual terá de sobreviver. É intuitiva, espontânea, apaixonada, melancólica e sensível, uma jovem que deseja sorver a vida, inserida numa sociedade violenta e perigosa. A ‘minha’ Carmen não é típica, folclórica, ou oriunda de uma coleção de gravuras estereotipadas da velha Espanha. É uma Carmen que atravessa a fronteira."
A Carmen de Bieito desenrola-se numa Espanha pós-franquista na cidade autónoma de Ceuta, o antigo entreposto comercial mediterrânico situado na costa norte de África. De acordo com Joan Anton Rechi, o responsável pela reposição, Calixto “queria um elevado grau de realismo para ilustrar um universo rebelde e cruel repleto de paixões e virilidade primária" e observa que a produção é mais fiel ao naturalismo áspero e cru da novela original de Mérimée do que aquele adaptado pelos co-libretistas de Bizet.
Com um elenco cujos principais cantores se estreiamem São Carlos.destaca-se o meio-soprano lituano Justina Gringyte, reconhecido por ter interpretado com sucesso o papel de Carmen em várias produções. A este propósito, David Smythe (Bachtrack, 19.10. 2015) escreveu: "Todas as atenções se concentraramem Justina Gringyteno papel de Carmen, estrela do espetáculo, cuja presença magnética em palco se revelou sensual, mordaz, indefesa e apaixonada ao atacar as suas árias com uma violência e admirável energia". Também Mark Valencia (What's on Stage, 28.09.2015), referindo ao meio-soprano, escreveu " é uma Carmen fabulosa: irresistível porém impenetreável, voluptuosa porém vulnerável com uma cativante sensualidade na sua voz cheia de meio-soprano".
Lukhanyo Moyake, o tenor sul-africano que interpreta o papel de Don José, venceu este ano o Emmerich Smola Förderpreis, na Alemanha.
Depois de, em 2015, ter vencido o Metropolitan Opera National Council Auditions, Nicholas Brownlee foi vencedor do concurso de Canto Hans Gabor Belvedere e do Prémio Zarzuela/Operalia, ambos este ano, e entra agora na sua última temporada como Jovem Artista do Programa Domingo-Coblum-Stein da Ópera de Los Angeles.
Do restante elenco, destaque para os papéis interpretados por Tiago Matos (Dancaïre), Carlos Guilheme (Remendado), Joana Seara (Frasquita), Carla Simões (Mercédès) e Diogo Oliveira (Moralès).
Para além dos corpos artísticos do Teatro Nacional de São Carlos - o Coro do Teatro Nacional de São Carlos e a Orquestra Sinfónica Portuguesa - a produção conta ainda com a participação do Coro Juvenil de Lisboa.
Argumento
Ato I
Praça de Sevilha, onde se situa uma fábrica de tabaco. Alguns militares, dragões do regimento de Almanza, encontram-se em grupos defronte do corpo da guarda enquanto observam os transeuntes. Surge Micaëla que vem procurar um brigadeiro de nome D. José. Afasta-se após ter sido informada de que ele só estará presente ao render da guarda. Chegam o tenente Zuniga e D. José. Zuniga fica a sós com D. José que lhe explica que na fábrica do tabaco trabalham muitas mulheres. O tenente interessa-se por saber se há mulheres novas e bonitas, mas D. José não o consegue esclarecer, pois nunca olhou para elas, sempre desconfiado das mulheres andaluzas. No seguimento da conversa, D. José conta ao tenente como chegou a Sevilha, com a mãe, que vive agora a dez léguas da cidade na companhia da jovem órfã, Micaëla.
Ouve-se o sinal de recomeço de trabalho na fábrica de tabaco. As mulheres dirigem-se à fábrica e, entre elas, está Carmen, a mais popular de todas e que povoa o sonho de muitos sevilhanos. Antes de entrar, Carmen, aproxima-se de D. José e, achando a sua inocência divertida, atira-lhe uma das flores que traz ao peito. D. José fica perturbado; nesse instante, aparece Micaëla com uma carta da mãe. A leitura da carta deixa Micaëla um pouco nervosa, pois sabe que nela a mãe de D. José sugere ao filho que se case com ela e, sob pretexto de umas compras que lhe faltam, afasta-se do local, prometendo vir buscar a resposta mais tarde.
Ouve-se grande algazarra na fábrica do tabaco. Há uma desordem entre as operárias e a culpada é Carmen. D. José intervém e terá de prendê-la e levá-la para a prisão. Mas, deslumbrado por Carmen, D. José torna-se cúmplice do plano que facilita a fuga da cigana por entre as gargalhadas das cigarreiras.
Ato II
Na estalagem de Lillas Pastia. Militares e ciganas formam grupos. Zuniga fala baixo a Carmen e informa-a que D. José foi preso como castigo por tê-la deixado fugir e, para além disso, despromovido a soldado raso. Ouvem-se exclamações à chegada do toureiro Escamillo que se notabilizou nas touradas de Granada. Enquanto os militares se preparam para sair por insistência de Lillas Pastia, o aclamado toureiro começa a cortejar Carmen. Saem todos, exceto Carmen, Lillas Pastia e as duas ciganas, Frasquita e Mercédès. Pastia explica qual o motivo por que precisava que todos os militares se fossem embora: Le Dancaïre e Remendado, dois contrabandistas, estão de volta e é preciso combinar com eles alguns negócios. Estes entram e explicam que têm de partir imediatamente com as raparigas cuja ajuda é necessária. Carmen recusa e confessa estar enamorada.
Ouve-se a voz de D. José que canta enquanto se aproxima da estalagem. Um dos contrabandistas sugere a Carmen que convença D. José a partir com ela. Apesar do castigo infligido, D. José não perdeu o fascínio por Carmen que explora os sentimentos do jovem soldado ao ponto de não o querer deixar voltar à porta de armas para cumprir o dever de militar. Quando está prestes a partir, D. José é surpreendido pela chegada dos ciganos e contrabandistas. Carmen obriga-o a ficar para não correr o risco de serem denunciados. Resta apenas um caminho a D. José: seguir a irresistível cigana e tornar-se num contrabandista. O hino à liberdade cantado por Carmen recolhe apenas uma exclamação rude e resignada da parte de D. José, o que muito a exaspera.
Ato III
Primeiro Quadro
É noite cerrada. Gradualmente, vão aparecendo os contrabandistas. Entre eles, está Carmen acompanhada de D. José. Enquanto uns vão observar a muralha da cidade guardada por um cúmplice, outros ateiam uma fogueira; Mercédès e Frasquita vêm sentar-se perto de Carmen e de D. José. Carmen, exasperada ainda com D. José, diz-lhe que já o ama menos gosta e, a continuar assim, nenhum sentimento restará e que o melhor será ele voltar para junto da mãe, pois não serve para a vida de contrabandista. D. José responde-lhe que insurgir-se-á caso Carmen não se comporte como ele quer.
Entretanto, Frasquita e Mercédès começam a ler o destino nas cartas e, para Carmen, a resposta é sempre a mesma: a morte. Todavia, Carmen afasta os maus pressentimentos. Regressam os três contrabandistas, que se mostram preocupados, pois o cúmplice que ficara de vigiar a muralha desapareceu, e viram três guardas aduaneiros em plena vigilância. As mulheres tranquilizam-nos, pois conhecem bem os aduaneiros.
Afastam-se todos e, logo a seguir, chega um guia acompanhado por Micaëla. Ao ficar só, a jovem órfã não consegue deixar de sentir medo, mas resiste, pois tem por missão livrar D. José das garras de Carmen.
Ao longe, avista a figura de D. José que está armado de uma espingarda e abre fogo. Micaëla, aterrorizada, foge por entre os rochedos. Escamillo, o toureiro de Granada que D. José não tinha reconhecido, por pouco perdia a vida. O toureiro explica que se acercou do acampamento pois está loucamente apaixonado por uma cigana chamada Carmen; conta ainda a D. José que Carmen tinha por amante um soldado que desertou por causa dela mas, acrescenta, os seus amores de Carmen não duram mais que seis meses. Descobre de seguida que está perante D. José, e trava-se o inevitável duelo entre os rivais. Chegam Carmen , Mercédès, Frasquita e os contrabandistas que interrompem a luta. Entretanto, Micaëla é trazida por um dos contrabandistas. A jovem entrega uma mensagem a D. José: a sua mãe está moribunda. No momento da partida, D. José despede-se de Carmen, mas com palavras repletas de subentendidos.
Segundo Quadro
Praça de Sevilha. É dia de tourada. Multidões de vendedores ambulantes e crianças encontram-se por toda a praça. Chega Escamillo acompanhado de Carmen, ambos trocando juras de amor. Entretanto, Frasquita avisa Carmen que é melhor partir, pois D. José encontra-se por perto. Carmen, porém, assume-se mulher destemida e recusa. Surge D. José que suplica a Carmen que partam a fim de recomeçarem uma nova vida. Carmen responde-lhe cruelmente que o seu coração já pertence a outro.
Na praça, o alarido da multidão entusiasmada anuncia a vitória de Escamillo. Carmen não esconde a sua satisfação. Assaltado pelo ciúme, D. José atinge o cúmulo do desespero quando Carmen arremessa aos pés dele aos pés o anel que ele lhe havia oferecido. Cego de dor, D. José, munido de um punhal, avança para Carmen e desfere-lhe um golpe mortal. O público sai da praça e, perante todos, D. José confessa o seu crime, atirando-se sobre o corpo inanimado da mulher amada: “Ó minha Carmen! Minha Carmen adorada!”
Biografias
Rory Macdonald
Direção Musical
Uma das mais brilhantes estrelas da recente geração de maestros, a carreira de Rory Macdonald tomou impulso após ter assistido maestros como Ivan Fischer, Mark Elder e Antonio Pappano.
Tem construído um extenso repertório operático, e é requisitado por alguns dos mais prestigiantes teatros de ópera do mundo. Na sequência do grande sucesso da sua estreia na América do Norte com a Canadian Opera Company, Macdonald debutou nos Estados Unidos com a Lyric Opera of Chicago, dirigindo uma nova produção de A Midsummer Night’s Dream com regresso previsto na temporada de 2016/2017. Outras estreias nos EUA incluíram novas produções de The Rape of Lucretia na Houston Grand Opera (onde Carmen em 2014) e Die Zauberflöte na San Francisco Opera. Em 2014, apresentou-se pela primeira vez na Santa Fé Opera dirigindo Carmen, tendo regresso previsto para a próxima temporada.
Calixto Bieito
Encenação
Desde a sua primeira ópera, em 1999, já encenou óperas de Verdi (Un ballo in maschera, Macbeth, Il trovatore, La traviata, Don Carlo), Mozart (Don Giovanni, Così fan tutte, O Rapto do Serralho), Wagner (Der fliegende Holländer, Parsifal), Puccini, Berg (Wozzeck, Lulu), Gluck (Armida), Beethoven (Fidelio), Zimmerman (Die Soldaten) e Reimann (Lear) nas mais prestigiadas casas de ópera do mundo, como Antuérpia, English National Opera, Norske Opera Oslo, Komische Oper Berlin, Staatsoper Stuttgart, Theater Basel, Gran Teatre del Liceu de Barcelona, Opera House Zurich, Bavarian State Opera e Ópera National de Paris.
Para teatro, encenou no Festival de Edimburgo, Festival de Mérida, Residenztheater Munich, Nationaltheater Mannheim, Festival de Bergen e Nationaltheatret Oslo. Em 2009, foi galardoado com o “European Cultural Price” na qualidade de encenador, pela pro Europa Foundation. Entre 2013 e 2015 foi artista residente no Basel Theatre
Justina Gringyte
Meio-Soprano
Vencedora do “Prémio Jovem Cantora do Ano” atribuído pelo International Opera Awards 2015, é reconhecida pela sua "técnica fulminante" (The Times). Cativou a imprensa internacional com a sua interpretação do papel titular de Carmen em produções da English National Opera e da Scottish Opera. Com uma voz "penetrante, apaixonadamente pronunciada e magnificamente controlada" (The Guardian), "enche o palco, ondulando deliciosamente pelas suas linhas vocais, ora frágil, ora majestosa" (The Scotsman).
Nas temporadas mais recentes destacam-se a estreia no Teatro Real de Madrid como Maddalena (Rigoletto) e as apresentações na Lithuanian National Opera e na Novosibirsk Opera and Ballet Theatre como Carmen; a estreia como Marguerite (La damnation de Faust) no Teatro Bolshoi e a participação na versão de concerto de Falstaff com a Orquestra Sinfónica City of Birmingham no papel de Meg Page; ainda, Fenena (Nabucco) na Welsh National Opera, Maddalena (Rigoletto) na Royal Opera House, Hänsel (Hänsel und Gretel) na Vilnius City Opera e Maddalena (Rigoletto) no Bolshoi.
Próximos compromissos incluem Carmen no Bolshoi e no Teatro Massimo di Palermo, Orlofsky em Die Fledermaus na Welsh National Opera, e a Missa Glagolítica (Janacek) com a Filarmónica de Los Angeles sob a direção de Gustavo Dudamel.
Lukhanyo Moyake
Tenor
Sul-africano, é membro permanente do elenco da Cape Town Opera onde interpretou vários papéis principais desde o seu ingresso na companhia em 2010 como Alfredo em La traviata, Jaquino em Fidelio, Belmonte em Die Entführung aus dem Serail, Leicester em Maria Stuarda, Camille de Rosillon em The Merry Widow, Rinuccio em Gianni Schicchi, Tom Rakewell em The Rake’s Progress e, mais recentemente, Narraboth em Salome.
Futuros compromissos incluem Sportin’ Life em Porgy and Bess no Teatro Colón em Buenos Aires e o Duque de Mântua em Rigoletto com a Cape Town Opera.
Recebeu o 3.º prémio da Competição Internacional de Canto Neue Stimmen, em 2015, e foi finalista do Concurso Internacional Hans Gabor Belvedere realizado em Amesterdão em 2015, e na Cidade do Cabo em 2016. Neste ano, venceu também o Emmerich Smola Förderpreis, na Alemanha.
Nicholas Brownlee
Baixo/Barítono
Vencedor do concurso de Canto Hans Gabor Belvedere, em 2016, e do Metropolitan Opera National Council Auditions, em 2015, Nicholas Brownlee entra na sua última temporada como Jovem Artista do Programa Domingo-Coblum-Stein da Ópera de Los Angeles. Na temporada de 2016/2017, estreia-se na Metropolitan Opera como Primeiro Soldado em Salomé, dirigido por Johannes Debus e regressa à Ópera de Los Angeles para a Tosca e Salomé. Participará também em Les Noces de Stravinsky com o Los Angeles Master Chorale. Dos seus trabalhos mais recentes destacam-se a estreia na Ópera de Los Angeles como Sprecher em Die Zauberflöte, Bonzo em Madama Butterfly e Capitão Gardiner em Moby Dick, produções dirigidas por James Conlon, na temporada de 2015/2016. Desempenhou o papel de Colline em La bohème, produção dirigida por Gustavo Dudamel na Ópera de Los Angeles, e estreou-se, no mesmo papel na Ópera de Atlanta. Com a Los Angeles Philharmonic, e sob a batuta de Esa-Pekka Salonen, desempenhou o papel de Um Médico na ópera Pelléas et Melisande.
No verão de 2014, foi Artista Aprendiz na Ópera de Santa Fé, onde se estreou como Don Fernando numa nova produção de Fidelio dirigida por Harry Bicket.
Ficha Artística
CARMEN
Georges Bizet (1838-1875)
Libreto Henri Meilhac e Ludovic Halévy
Teatro Nacional São Carlos
6, 10, 12 e 14 de outubro às 20h00
8 de outubro às 16h00
Carmen Justina Gringyte
Don José Lukhanyo Moyake
Escamillo Nicholas Brownlee
Micaëla Sarah-Jane Brandon
Zuniga Keel Watson
Dancaïre Tiago Matos
Remendado Carlos Guilherme
Frasquita Joana Seara
Mercédès Carla Simões
Moralès Diogo Oliveira
Direção Musical Rory Macdonald
Encenação Calixto Bieito
Responsável pela reposição Joan Anton Rechi
Cenografia Alfons Flores
Figurinos Mercè Paloma
Desenho de Luz Bruno Poet
CORO JUVENIL DE LISBOA
Maestro titular Nuno Margarido Lopes
CORO DO TEATRO NACIONAL DE SÃO CARLOS
Maestro titular Giovanni Andreoli
ORQUESTRA SINFÓNICA PORTUGUESA
Maestrina titular Joana Carneiro
Produção ENO — English National Opera / Norwegian Opera
M/12
N.B. Justina Gringyte substitui Katarina Bradic, inicialmente anunciada para o papel, que se lesionou no decurso dos ensaios de cena para esta produção.