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Cascais recebe a exposição "Paula Rego: Histórias & Segredos"
A exposição agora apresentada parte assumidamente do registo íntimo e pessoal explorado no filme do realizador britânico Nick Willing sobre Paula Rego, sua mãe.

7 Abr a 17 Set 2017
Curadoria: Nick Willing e Catarina Alfaro
Com o apoio de: Leonor de Oliveira
É uma exposição de caráter biográfico e que introduz a espacialização das memórias e referências identitárias da artista.
Mas nem por um imperativo de rigor biográfico a exposição segue sempre uma ordem cronológica e, por vezes, o sucessivo dá lugar ao simultâneo, pois é a partir da reflexão sobre as experiências vividas que o pensamento artístico de Paula Rego se constrói, sendo a sua vida e a sua obra realidades inseparáveis.
Ao longo das oito salas de exposição recuamos aos tempos de infância e à sua aprendizagem artística na Slade School of Fine Art (Londres), de 1952 a 1956, apresentando-se fotografias, cartas, livros que pertencem desde a infância a Paula Rego e até uma pequena pintura da sua mãe. Todos estes elementos revelam um genuíno e precoce interesse pela prática artística, também incentivado no seio familiar, e remontam na sua maioria a uma fase anterior à sua formação artística formal. Uma série de objetos pessoais são testemunhos do ambiente familiar e privado que é permanentemente evocado na produção da artista. Aqui se incluem livros da sua infância que se tornaram referências essenciais para o desenvolvimento das suas narrativas figurativas, documentos fotográficos e fílmicos, bem como obras da sua coleção particular.
São as memórias da infância passada em família, as recordações das idas à pesca no Cabo da Roca com o seu pai, que a artista recupera no tríptico de 2005, intitulado O pescador. Embora não estivesse ciente deste processo de rememoração no momento de execução da pintura, Paula Rego reconstruiu várias imagens que estavam fixadas no seu inconsciente: “O pescador é o meu pai”.
Para além do enquadramento familiar, favorável ao desenvolvimento da sua formação artística, Paula Rego contou ainda com a cumplicidade de Victor Willing durante os anos em que viveram e trabalharam juntos. Admirado pelos seus colegas da Slade, Willing rapidamente se afirmou como “porta-voz da sua geração”, como testemunhou o crítico David Sylvester.
A sua genialidade e personalidade carismática encantaram-na imediatamente. A aproximação entre ambos estabelece-se, também, por uma mútua e profunda admiração artística. Na verdade, Victor foi, segundo Paula, a pessoa que melhor compreendeu o seu trabalho e isso uniu-os definitivamente: “Era a pessoa que conhecia o meu trabalho melhor do que qualquer outra pessoa no mundo. Bastava-lhe olhar para o meu trabalho e sabia o que eu queria dizer, e não há nada mais especial do que isso. Quando alguém compreende bem o nosso trabalho, essa pessoa compreende-nos bem a nós”.
Para além de algumas das suas obras mais marcantes — como O pescador, O crime do Padre Amaro, a série Mulher cão ou a série sobre o aborto — e outras nunca antes vistas publicamente que pertencem à sua coleção particular, nomeadamente o retrato do seu pai datado de 1954–55 e a obra Descida da Cruz, de 2002, é apresentada pela primeira vez em Portugal a série Depressão. Estas poderosas imagens permaneceram escondidas durante dez anos e exploram a dimensão paradoxal da depressão psicológica. É, por essa razão, um segredo que agora é revelado mas que gerou durante muito tempo um sentimento de vergonha: “Deveriam ser postas numa gaveta para nunca mais serem vistas, porque eu sentia vergonha de estar tão deprimida”.
O poder evocativo destas imagens e a intensidade com que revelam a complexidade desta doença são tão reais porque se ligam diretamente à interioridade da artista, que experienciou, ao longo da sua vida, vários estados depressivos. Mas a sua força reside sobretudo no facto de ter depositado nestas imagens a esperança para encontrar o caminho de saída. É precisamente este gesto de entrega, este vínculo essencial entre a arte e a vida, que melhor traduz, desde sempre, o significado da sua obra: “É preciso confiar na pintura porque ela é que nos diz o que está dentro de nós e isso nem sempre é agradável. É descobrir quem somos”.
Nesta exposição reconstitui-se, pela primeira vez, o estúdio de Paula Rego através de diversos elementos, como cenários, modelos e figurinos utilizados pela artista. No estúdio, Paula constrói o seu mundo de fantasia e encantamento, colocando nas suas pinturas aquilo que não é capaz de dizer, conferindo-lhes, assim, um poder mágico e revelador.
Catarina Alfaro
Coordenadora da Programação e Conservação da CHPR