"É de Cultura como instrumento para a felicidade, como arma para o civismo, como via para o entendimento dos povos que vos quero falar"

Obras de referência da cultura portuguesa

REQUIEM OP. 23, "À MEMÓRIA DE CAMÕES"

de JOÃO DOMINGOS BOMTEMPO (1775-1842)
Análise de João Pedro d'Alvarenga
Tradução: Alexandra Leitão

A escassez da actividade concertística em Paris, cidade onde principalmente residiu a partir de 1801, agora sob Luís XVIII dominada pela agitação política, e a impossibilidade de prosseguir a actividade em Lisboa, onde procurou reestabelecer-se entre 1817 e os meados de 1818, forneceram a Bomtempo a oportunidade para dedicar-se à composição das suas primeiras obras corais sacras. Graças aos poucos excertos da sua correspondência que nos chegaram, sabemos que a composição do Requiem Op. 23, iniciada possivelmente em Lisboa em 1817, foi concluída em Paris no segundo semestre de 1818. No ano seguinte, a obra teve aí a sua primeira audição privada, estreando publicamente em Londres, em Junho ou Julho de 1819. Parece datar deste ano a dedicatória à memória de Camões, cujo objectivo, abertamente confessado, foi o de garantir o sucesso da subscrição que permitiu a impressão da partitura (em Paris, por Auguste Leduc, 1819/20), aproveitando o renascimento camoneano iniciado com a edição monumental d'Os Lusíadas promovida pelo Morgado de Mateus (Paris, Firmin Didot, 1817): «[…] compus» – escreveu Bomtempo em 1819 a um correspondente anónimo de Londres (possivelmente a Duquesa de Hamilton) – «um Te Deum e duas Missas, uma das quais de Requiem consagrada à memória de Camões que, espero, me seja mais produtiva que tantas obras dedicadas a homens ainda vivos, os quais, até ao presente, não me foram de grande utilidade […]».

Com o advento do primeiro regime constitucional em 1820, Bomtempo regressou definitivamente a Portugal. As audições documentadas do Requiem Op. 23 em Lisboa serviram a causa do Partido Liberal, em cerimónias cívicas largamente publicitadas na imprensa da época, promovidas para influenciar o processo legislativo das Cortes Gerais Extraordinárias, que elaboraram a Constituição jurada por D. João VI a 1 de Outubro de 1822. A primeira execução da obra teve lugar no sufrágio do General Gomes Freire de Andrade, a 18 de Outubro de 1821 na Igreja de S. Domingos, sob a direcção do compositor. Uma segunda audição realizou-se na Basílica da Estrela, na ocasião da trasladação do corpo de D. Maria I, a 20 de Março de 1822, também sob a direcção de Bomtempo (seguindo-se a execução das Quatro Absolvições, obra concluída provavelmente em 1822, que cita abundantemente o Requiem Op. 23). Estas primeiras apresentações lisboetas encontraram eco favorável no prestigiado Allgemeine Musikalische Zeitung de Leipzig. Por exemplo na crónica de 1 de Janeiro de 1823, referente àquela última execução, diz-se o seguinte: «[…] no conjunto, a música de Bomtempo não deixa decerto de ter merecimento, o que também é reconhecido pelos conhecedores, no entanto aqui e ali faz lembrar Mozart, entre outros; contudo, para o gosto que em geral aqui reina não é nada, porque não soa teatral e à la Rossini […]». O Requiem Op. 23 cantou-se depois nas exéquias do próprio Bomtempo, celebradas na Igreja de S. Caetano a 5 de Novembro de 1842 por iniciativa do Conservatório Real de Lisboa, que o compositor fundara em 1835 e de foi o primeiro Director.

É possível que a composição do Requiem Op. 23 tenha sido inspirada pelo conhecimento que Bomtempo tinha das obras de Luigi Cherubini (1760-1842), para cuja publicação aliás concorreu, subscrevendo em 1809 a impressão da partitura da Missa solene em Fá maior. Embora entre o Requiem n.º 1 de Cherubini e o de Bomtempo – únicas obras do género que medeiam entre o Requiem de Mozart (1791/92) e o 2.º de Cherubini (1836) e o de Berlioz (1837) – não possam estabelecer-se paralelos mais do que superficiais, é admissível que Bomtempo tenha chegado a ouvir a obra do italiano, composta em 1816 e executada pela primeira vez em Paris na Igreja de Saint-Denis a 21 de Janeiro de 1817. O Requiem Op. 23, porém, exibe maior variedade de texturas vocais-instrumentais, orquestração mais transparente e um tipo de escrita coral que, sem rejeitar o artifício contrapontístico, proporciona melhor inteligibilidade do texto litúrgico.

Gravações disponíveis:
– João Domingos Bomtempo: Requiem Op. 23 (à memória de Camões), Coro e Orquestra Sinfónica da Rádio de Berlim, dir. Heinz Rögner, Numérica, 2006, Portugalsom PS 5002, CD (ed. original, 1982, 870001/PS)
– João Domingo Bomtempo: Requiem, Orchestre et Choeur de la Fondation Gulbenkian, dir. Michel Corboz, Aria music, 1996, 592302, CD

 
 



REQUIEM OP. 23, "À MEMÓRIA DE CAMÕES"
by JOÃO DOMINGOS BOMTEMPO (1775-1842)

Unable to pursue his activity in Lisbon, where he attempted to re-settle between 1817 and mid-1818, Bomtempo was able to concentrate on composing his first sacred choral works in Paris (where he mostly lived after 1801), due to the scarcity of concert activities with the city now under Louis XVIII and dominated by political unrest. Thanks to the few excerpts of his correspondence available to us, we know that the Requiem Op. 23, which was possibly begun in Lisbon in 1817, was completed in Paris in the second half of 1818. The following year the work had its first private audition, and premiered publicly in London in June or July 1819. It is from this year that the dedication to Camões’s memory appears to date, the openly confessed aim being to ensure the success of the subscription that paid for the score to be printed (in Paris by Auguste Leduc in 1819/20), profiting from the Camonian renaissance which began with the monumental edition of Os Lusíadas promoted by Morgado de Mateus (Paris, Firmin Didot, 1817). Bomtempo wrote in 1819 to an anonymous correspondent in London (possibly the Duchess of Hamilton): “[…] I composed one Te Deum and two Masses, one of which is a Requiem dedicated to the memory of Camões which will, I hope, be more productive than so many works dedicated to men who are still living and so far have been of no use to me […]”

With the advent of the first constitutional regime in 1820, Bomtempo returned to Portugal for good. The documented auditions of the Requiem Op. 23 in Lisbon served the cause of the Liberal party in civic ceremonies that were widely publicised in the contemporary press, and that were organised to influence the legislative process of the Extraordinary General Cortes which drew up the Constitution duly sworn by King João VI on 1 October 1822. The first time the work was played was at a Mass for the soul of General Gomes Freire de Andrade on 18 October 1821 at São Domingos Church, conducted by the composer himself. A second audition took place at Basílica da Estrela, at the time of the transfer of the body of Queen Maria I on 20 March 1822, and was also conducted by the composer (this was followed by Quatro Absolvições, which was probably finished in 1822 and abundantly cites the Requiem Op. 23). These first auditions in Lisbon were favourably commented in the prestigious Allgemeine Musikalische Zeitung of Leipzig. The review of 1 January 1823, concerning the latter concert says the following: “[…] On the whole Bomtempo’s music certainly deserves merit, which is also recognized by connoisseurs, although here and there it reminds one of Mozart, among others; however, for the general taste here it is nothing, because it does not sound theatrical à la Rossini […]”. The Requiem Op. 23 was also sung at Bomtempo’s funeral mass in the Church of São Caetano on 5 November 1842 on the initiative of the Royal Lisbon Conservatoire, which had been founded by the musician in 1835 and of which he had been the first Director.

The composition of the Requiem was possibly inspired by Bomtempo’s familiarity with the works of Luigi Cherubini (1760-1842) to whose publication he collaborated, in 1809 subscribing the printing of the score of the Missa Solene em Fá maior. Although only superficial similarities can be found between Cherubini’s Requiem nº 1 and Bomtempo’s Requiem – the only works of the genre between Mozart’s Requiem (1791/92), Cherubini’s Requiem nº 2 (1836) and that by Berlioz (1837), it is possible that Bomtempo heard the Italian composer’s work written in 1816 and first played in Paris at the Church of Saint-Denis on 21 January 1817. Nevertheless, the Requiem Op. 23 has a greater variety of vocal and instrumental textures, more transparent orchestration and a type of choral writing that without rejecting the contrapuntal artifice makes the liturgical text more intelligible.

Available recordings:
– João Domingos Bomtempo: Requiem Op. 23 (à memória de Camões), Coro e Orquestra Sinfónica da Rádio de Berlim, dir. Heinz Rögner, Numérica, 2006, Portugalsom PS 5002, CD (original edition, 1982, 870001/PS)
– João Domingo Bomtempo: Requiem, Orchestre et Choeur de la Fondation Gulbenkian, dir. Michel Corboz, Aria music, 1996, 592302, CD


 

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