A Vida dos Livros
"Saudades de Deus" de Joaquim Carreira das Neves
«Saudades de Deus» de Joaquim Carreira das Neves (Presença, 2015) interroga a relação com a transcendência, a partir de um diálogo entre a razão e a fé, entre a ciência e a teologia, sem receio de pôr em comum atitudes e reflexões sem preconceitos nem limitações.
UM DEBATE INTENSO
O DEUS DOS FÍSICOS
Carreira das Neves, depois de invocar o Padre Resina e Kant, lembra igualmente António Lobo Antunes. E ouvimo-lo: «Sabe como me aproximei de Deus? Foi através dos físicos…». Em lugar de uma imagem material, «que é uma coisa que Deus não é», o escritor respondeu à pergunta sobre «quem é o Deus em que acredita», dizendo: «Deus é aquele que me diz ao ouvido que gosta de mim». Eis o ponto fundamental. Estamos no domínio da relação pessoal e da vida vivida. É a lei do amor (agapé). E é sobre essa realidade que o autor escreve «Saudades de Deus», começando nos Salmos do Antigo Testamento («Junto aos Rios da Babilónia sentámo-nos a chorar» e «Como suspira a corça pelas águas correntes»…), prosseguindo na apresentação antropomórfica de Deus, do Génesis ao Livro dos Reis, que Harold Bloom considera obra-prima da História da Literatura, ao lado de Homero, Dante e Shakespeare («O Senhor apareceu a Abraão junto dos carvalhos de Mambré, quando ele estava sentado à porta da sua tenda, durante as horas quentes do dia…»). O caminho prossegue, com o episódio do «Deus Invisível» de Moisés, com Jesus Cristo perante os discípulos de Emaús e a incredulidade de Tomé, com o Deus do amor na pessoa de Jesus Cristo, com a interrogação sobre a dificuldade de amar os inimigos («O bom pastor dá a sua vida pela ovelhas»), com os Padres da Igreja e o seu ensino - «este o rochedo liso, polido e alcantilado, que não apresenta nenhum suporte ou saliência em que se fixe a nossa inteligência…». O escritor continua a sua ação de muito mérito, no sentido de analisar as tradições católicas, o purgatório nos textos bíblicos, Maria, Mãe de Deus, a capacidade inovadora do Papa Francisco, as Novas Espiritualidades – e uma pergunta final”: Que dizer de tudo isto? «Tenho o máximo respeito por estes espiritualistas ou espirituais que não aceitam as “velhas” “religiões” com dogmas, mandamentos e regras de conduta. São uma religião sem Credo à maneira do Credo que estudámos na patrística. São uma religião intimista, sem liturgia exterior Há quarenta anos era a “meditação transcendental”». Como chegou até nós o monoteísmo cristão? Eis a preocupação fundamental do autor as escrever «Saudades de Deus». De um modo rigoroso, e invocando textos fundamentais, estamos perante um percurso que está ao alcance da inteligência crítica. Galileu Galilei ou Charles Darwin obrigaram-nos a pensar de um modo mais exigente, como hoje Stephen Hawking… Os erros (quando o eram) foram assumidos e aceites. Não se trata, porém, de deitar para trás das costas o que obriga a um sentido crítico atual. Temos de compreender que Deus é «passível de “máscaras”, criadas á “imagem e semelhança” dos homens». «Assim foi e assim será. Por isso mesmo, a figura do Papa Francisco procura redescobrir, nos nossos dias, a face mais fiel da pessoa de Jesus como resposta aos grandes problemas da humanidade». Razão tinha Agostinho de Hipona, ao dizer que o nosso coração é um eterno buscador de Deus, ou seja, só encontra paz no coração de Deus. «É eterna a busca da consciência humana pela sua verdade e identidade, Fonte a jorrar a água viva do Deus vivo»…
Guilherme d’Oliveira Martins
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