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Soldado Milhões. O português que enganou os alemães vai ter um centro interpretativo

Na Batalha de La Lys, Aníbal Augusto Milhais garantiu, sozinho, a retirada de parte das forças portuguesas e escocesas. Quando regressou, tornou-se um símbolo na propaganda de dois regimes, mas nem por isso deixou de ter de lutar pela sobrevivência.

Soldado Milhões nasceu em Valongo de Milhais, a 9 de julho de 1895. Foto: DR


Aníbal Augusto Milhais, mais conhecido por Milhões, foi o soldado português mais condecorado da I Guerra Mundial e o único militar português condecorado com a mais alta honraria nacional, a antiga e muito nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, pelos seus feitos durante a Batalha de La Lys.

O soldado Milhões nasceu em Valongo de Milhais, no concelho de Murça, a 9 de julho de 1895, e faleceu a 3 de junho de 1970.

A Câmara Municipal de Murça prepara-se, agora, para perpetuar a sua memória na aldeia que o viu nascer, com a requalificação da casa onde viveu.

Num investimento de 250 mil euros, o presidente da autarquia, Mário Artur Lopes, revela que a intervenção vai recuperar a habitação, em avançado estado de degradação, que foi doada, há anos, pela família, à autarquia.

“O projeto já foi aprovado no âmbito de uma candidatura apresentada ao programa Valorizar”, afirma o autarca, adiantando que ali nascerá um centro interpretativo que pretende ser “um símbolo do nosso herói Milhões e que irá valorizar a freguesia”.

O autarca acredita que este será um polo de atração turístico, de forma a alavancar a economia do concelho. “A freguesia irá receber muita gente e poderão ser criadas oportunidades de trabalho”, antecipa.

De acordo com o projeto, a casa do Soldado Milhões será uma espécie de “museu pouco rígido, de visitação solitária”, em que as pessoas poderão ainda explorar um pouco melhor as vivências do herói Milhões, através de um percurso pedestre que está a ser preparado pela Câmara.

“Há um trilho pedestre que gostaríamos de desenvolver, que vai da Praceta Herói Milhões, na vila de Murça, até à casa do Aníbal Augusto Milhais, e que era o percurso que se fazia na altura, da aldeia à vila”, revela o autarca, acrescentando que o objetivo passa “por as pessoas perceberem como era a vida dele, como era viver naquele tempo, em que serão retratados alguns momentos da I Guerra Mundial”.

As origens de Milhões

Aníbal Augusto Milhais nasceu em 1895, numa família pobre. Era o mais novo de três irmãos que ficaram órfãos bastante cedo e foram acolhidos por parentes mais próximos.

Ainda criança começou a trabalhar a troco de alimentação e de um abrigo, em casa das pessoas mais remediadas de Valongo, aldeia no concelho de Murça (desde 1924, Valongo de Milhais, em sua homenagem).

Nunca foi à escola. Começou a vida como "moço de recados", depois guardou rebanhos e bois e fazia "todo o tipo de trabalho agrícola", contou o neto, Eduardo Milhões Pinheiro, à Renascença. Os irmãos, João e Maria Rosa, emigraram cedo para o Brasil. Aníbal permaneceu na aldeia a trabalhar como jornaleiro.

Em 1915 é apurado para a tropa. No ano seguinte, a 13 de maio, assenta praça no Regimento de Infantaria (RI) nº 30, de Bragança. No mês seguinte é transferido para o RI 19, de Chaves. Meses depois, parte para a guerra. Especialidade: "atirador especial".

Já em França, Aníbal Milhais especializa-se em metralhadoras Lewis e é integrado no BI 15, de Tomar, como nº 1 de uma das guarnições de metralhadoras ligeiras.

Rezam as crónicas que, a 9 de abril, uma força portuguesa se viu atacada pelos alemães. A força chegou a ser destroçada, a situação era "a pior possível". Muitos portugueses foram mortos e os sobreviventes obrigados a retirar.

Casa do soldado milhões em  Valongo de Milhais. Foto: Olímpia Mairos/ RR 

O português que enganou os alemães
Segundo Eduardo Milhões Pinheiro, o seu avô, "de forma voluntária, disponibilizou-se para ficar e cobrir a retirada de todos os seus companheiros".

"Ficou com a sua metralhadora no posto dele e foi criando a ilusão, nas tropas alemãs, que a posição estava a ser guardada por várias unidades do seu batalhão, porque ele fazia fogo de vários pontos distintos".

"Assim conseguiu empatar a ofensiva alemã durante tempo suficiente que permitiu a todos os seus companheiros recuar para linhas mais resguardadas, em segurança, sendo que a maior parte deles terá conseguido sobreviver", conta Eduardo Pinheiro.

Milhais, esse, continuou sozinho, a vaguear pelos campos. Tinha apenas "amêndoas doces" para comer.

Quatro dias depois da batalha, terá encontrado "um médico escocês a quem salvou de morrer afogado num pântano. Esse mesmo médico terá dado conta ao exército aliado dos feitos" do soldado transmontano.

"Vales milhões"
E foi assim, em plena I Guerra Mundial, que o soldado português alcançou a fama, na Batalha de La Lys, em abril de 1918.

A bravura do franzino e pequeno Aníbal, com pouco mais de um metro e meio de altura, valeu-lhe a Torre e Espada – a mais alta condecoração militar portuguesa - entre outras distinções.

O epíteto "Milhões" nasceu com um elogio do seu comandante, Ferreira do Amaral: "Tu és Milhais, mas vales milhões".

Após a guerra e a condecoração, o soldado regressou à sua terra natal. Tornou-se agricultor, casou, teve 10 filhos, ainda chegou a emigrar para o Brasil, de onde pouco tempo depois regressou por pressão da comunidade portuguesa, que considerava “que não era digno” um herói nacional ser emigrante.

A sua história foi resgatada pelo jornal Diário de Lisboa que, na década de 20, o transformou numa espécie de símbolo nacional que passou a ser usado pela propaganda dos governos da primeira República e pelo Estado Novo.

O reconhecimento material da nação resumiu-se a uma pensão que se manteve nos 15 escudos por mês, pelo menos até o seu quinto filho ir à inspeção militar, no início dos anos 50.

O soldado Milhões teve sempre uma vida modesta. Quando morreu, a 3 de junho de 1970, aos 75 anos, as suas medalhas conquistadas no campo da glória valiam-lhe pouco mais de mil escudos mensais.

As medalhas conquistadas foram doadas ao Museu Militar do Porto. Também no Museu do Regimento de Infantaria 13, em Vila Real, se recorda o herói de guerra transmontano. 

 
 


por Olímpia Mairos in Renascença | 4 de junho de 2020
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Rádio Renascença
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