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Eduardo Lourenço. O centenário do pensador que se afastou para estar mais perto

Senhor de uma mente irrequieta, Eduardo Lourenço dedicou-se a temas tão diversos como a literatura ou a política. No dia em que faria 100 anos, inicia-se um vasto programa de comemorações que procura estar à altura da sua confessa heterodoxia.

© Maria João Gala / Global Imagens
Há 100 anos, na aldeia de São Pedro do Rio Seco, distrito da Guarda, os ecos dos golpes e contragolpes que iam desgastando a República chegavam com muitos dias de atraso. Coimbra ficava longe, e Lisboa ainda mais, nesse interior em que as estradas ainda seriam pouco mais do que os caminhos calcorreados pelos viandantes na Idade Média. Aí nasceu, a 23 de maio de 1923, uma criança do sexo masculino, filha do capitão de infantaria, Abílio de Faria, e de sua mulher, Maria de Jesus Lourenço, a que foi dado o nome de Eduardo. Por obra dele e da sua circunstância, a insuficiência das estradas jamais lhe travou o passo, a ponto de hoje celebrarmos o seu centenário de nascimento como o do mais importante, e mais consequente, pensador do Portugal contemporâneo. O homem que se afastou e, no entanto, nunca deixou de estar perto.

Com a data do centenário, começa também um vasto um programa de comemorações, que se inicia oficialmente esta 3.ª feira, às 14.30 na Biblioteca Municipal da Guarda, que tem justamente o seu nome, numa cerimónia que contará com as participações do presidente da Câmara local, Sérgio Costa, dos reitores da Universidades de Coimbra e Salamanca, Amílcar Falcão e Ricardo Rivero Ortega, do vice-presidente do Instituto Politécnico da Guarda, Manuel Salgado, bem como de vários membros do Centro de Estudos Ibéricos, de que Eduardo Lourenço é o patrono, e de familiares do autor. Na ocasião será inaugurada, também na Biblioteca, a exposição fotográfica "Contrariado, mas vou...", da autoria de Alfredo Cunha.

Como nos diz Rui Jacinto, do Centro de Estudos Ibéricos e do Centro de Estudos de Geografia e de Ordenamento do Território (CEGOT) da Universidade de Coimbra, "estas comemorações são muito mais voltadas para o futuro do que para o passado porque entre os nossos principais objetivos está a necessidade de ampliar o universo de leitores de Eduardo Lourenço e de expandir o seu legado". Nas comemorações, que se estenderão até maio de 2024, estarão, para isso, envolvidas várias universidades como as de Lisboa, Coimbra, Porto, Évora e Salamanca, para além dos eventos realizados nos leitorados e cátedras da rede do Instituto Camões.

A importância que a Universidade de Salamanca está a dar a estas comemorações é, para Rui Jacinto, muito significativa: "O Centro de Estudos Ibéricos vive muito do eixo Coimbra-Guarda-Salamanca e resulta de uma ideia pela qual Eduardo Lourenço se bateu com muito empenho e energia. É muito interessante perceber o papel que os territórios e os lugares podem ter no desenvolvimento de uma obra, mesmo numa obra tão difícil de territorializar como esta, que navega muito entre temas e referências.."

Na sessão desta 3.ª feira, na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, serão lançados dois livros sobre a vida e obra do pensador: Fotobiografia, da autoria de Maria Manuel Baptista, Manuela Cruzeiro e Fernanda de Castro, e Eduardo Lourenço - Uma Geopolítica do Pensamento, de Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi, responsáveis pela cátedra Eduardo Lourenço na Universidade de Bolonha. O programa também inclui a inauguração de uma escultura evocativa, no Jardim José de Lemos, assinada por Pedro Figueiredo.

Na 4.ª feira, 24, às 10:00, prossegue na BMEL o congresso "Leituras de Eduardo Lourenço" e, pelas 17:30, terá lugar o lançamento do livro Vida Partilhada: Todos nós Ibéricos, de Eduardo Lourenço. Como nos explica Rui Jacinto: "São cerca de 40 textos, produzidos no período de 1999 a 2018, e que refletem o vínculo dele com o Centro de Estudos Ibéricos, em cuja vida esteve sempre muito presente."

Ainda na BMEL, será inaugurada a exposição "Feito de papel com um coração no fundo: Sobrevoando a "Mala" de Eduardo Lourenço", uma mostra de livros da biblioteca do ensaísta, com curadoria de Maria Manuel Baptista, Fernanda de Castro e Beatriz Stutz.

O Centro de Estudos Ibéricos voltará ao autor, entre 27 de junho e 1 de julho, no 23.º Curso de Verão, subordinado ao tema genérico "Novas fronteiras, outros diálogos: cooperação e desenvolvimento". Com coordenação de Rui Jacinto e María Isabel Martín Jiménez, da Universidade de Salamanca, decorrerá entre a Guarda, Almeida e Guarda e andará em torno do que se pode considerar um roteiro da infância e juventude do autor.

Recorde-se que Eduardo Lourenço ingressou em 1940, na Universidade de Coimbra para estudar Ciências Histórico-Filosóficas. Apoiado por Joaquim de Carvalho, tornou-se assistente da Faculdade de Letras entre 1947 e 1953, mas não tardaria a sentir o apelo do mundo. Deixa o país, tornando-se leitor de Cultura Portuguesa nas universidades de Hamburgo e Heidelberg (na Alemanha) e depois, na Universidade de Montpellier. Após um ano passado na Universidade Federal da Bahia, como professor convidado de Filosofia, estabelece residência em França, na década de 1960, depois de casar com a cidadã francesa, também professora, Annie Salomon.

Em Vence, no Nordeste de França, escreverá algumas das suas obras mais importantes como os vários volumes de HeterodoxiaO Labirinto da Saudade; Fernando Pessoa - Rei da Nossa Baviera; Antero ou a Noite Intacta; Paraíso sem Mediação (breves ensaios sobre Eugénio de Andrade), A Esquerda na Encruzilhada ou Fora da História? - Ensaios Políticos; Pequena meditação europeia. A propósito de Guimarães; Os Militares e o Poder seguido de O Fim de Todas as Guerras e a Guerra Sem Fim; Do Colonialismo como Nosso Impensado; Sentido e Forma da Poesia Neo-realista e Outros Ensaios; Do Brasil, fascínio e miragem ou Crónicas quase marcianas, entre muitos outros livros, conferências e artigos.

Apesar desta produtividade, Eduardo Lourenço não foi, todavia, um intelectual encerrado na confortável distância de um gabinete. Em 1989, assumiu funções como conselheiro cultural junto da Embaixada Portuguesa em Roma, até 1991. Colaborador de longa data da Fundação Gulbenkian, foi seu administrador não executivo entre 2002 e 2012 e foi um dos principais signatários do Manifesto contra o Acordo Ortográfico de 1990, petição online que, entre maio de 2008 (data do início) e maio de 2009 (data da apreciação pelo Parlamento), recolheu mais de 115 mil assinaturas. Tomou posse em 7 de abril de 2016 como conselheiro de Estado, designado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Ao longo da sua vida recebeu numerosas distinções, como o Prémio Europeu de Ensaio Charles Veillon (1988), Prémio Camões (1996), Prémio Pessoa (2011) e o Prémio da Academia Francesa (2016). Entre outras condecorações, foi distinguido com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada, a Ordem do Infante D. Henrique e a Ordem da Liberdade. Foi ainda nomeado Officier de la Légion d"Honneur e consagrado Doutor Honoris Causa pelas Universidades do Rio de Janeiro (1995), Universidade de Coimbra (1996), Universidade Nova de Lisboa (1998) e Universidade de Bolonha (2006).

Morreu, em Lisboa, a 1 de dezembro de 2020, com 97 anos. As comemorações do seu centenário encerrarão daqui a um ano, com uma grande exposição na Biblioteca Nacional de Portugal, instituição que acolhe o seu espólio e a obra ainda inédita.


por Maria João Martins in Diário de Notícias | 23 de maio de 2023
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias
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