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Cultura

Os Poderes da Imagem – 40 Anos do Centro Português de Serigrafia

por Maria João Fernandes

"Flores de Cacto" de Pedro Cabrita Reis, Serigrafia, 100x70cm (74 exemplares, numerados e assinados) Pedro Calapez, Serigrafia 71x99,5cm (38 exemplares, numerados e assinados)


Uma concisa e emblemática formulação do eminente crítico francês René Huyghe (1906-1997) sobre a arte, em Os Poderes da Imagem, é hoje o motivo condutor da exposição que retoma este título, dos 40 anos do Centro Português de Serigrafia. A mostra que reúne 40 trabalhos é antes de mais uma celebração da obra gráfica de grande e nobre tradição nas artes plásticas. O esquema proposto, não significa, no entanto, que as três vertentes em causa: a Natureza, os Meios Plásticos, o Artista/a Linguagem/o Estilo, se apresentem em compartimentos estanques, mas pelo contrário, num sistema de vasos comunicantes. Trata-se afinal de um convite, no espaço de tão grandes tradições da Sociedade Nacional de Belas Artes, à redescoberta da arte, instrumento de um conhecimento inesgotável.

O conjunto sob o signo do poder da Natureza reúne obras onde esta, na diversidade de estilos que caracterizam cada autor, surge, não como pano de fundo, mas como elemento absolutamente interveniente e ativo na génese de uma linguagem. Citando René Huyghe “ela equivale à pedreira onde o arquiteto vai buscar as pedras para construir a sua obra; ao artista fornece materiais (…) e emoções também.” Nesta mostra revela os seus múltiplos rostos em outras tantas múltiplas expressões plásticas. É o caso, para não citar senão alguns exemplos, da sua presença nas obras de Humberto Marçal, Gonçalo Mar, Filipe Romão, Juan Escudero, João Francisco Vilhena ou Jorge Barrote.

O núcleo onde se realçam os meios de que o artista dispõe: “linhas e cores reunidas segundo uma certa ordem” (Maurice Denis citado por René Huyghe), a matéria-prima da pintura, apresenta justamente alguns dos elementos constitutivos da linguagem plástica, com destaque, referindo apenas alguns exemplos, para a linhaÁlvaro Siza Vieira ou Pedro Cabrita Reis, para a cor associada ao movimento – Eduardo Nery, ao gesto – Cristina Ataíde, GracindaCandeias ou Sofia Areal, para a forma geométrica em destaque no caso de Leonel Moura, Marisa Ferreira ou Pedro Calapez.

Um último conjunto coloca em evidência a arte como linguagem definidora do particular estilo de cada artista na sua ligação ao inconsciente e aos arquétipos. Neste núcleo o realce vai para alguns dos expoentes da arte do século XX em Portugal, como José de Guimarães, Carlos Calvet, Júlio Pomar ou Cruzeiro Seixas e Mário Cesariny, artistas maiores do surrealismo no nosso País. Uma especial nota para as tendências de vanguarda sempre presentes no reportório do CPS, para Leonel Moura que tem desenvolvido na sua obra a relação com as novas tecnologias e para Pedro Portugal, artista conceptual, polemista e agitador de ideias, e no plano internacional para Ken Rinaldo, nome cimeiro da Bio Arte, que explora a relação arte/ciência e ainda para a reconhecida artista e performer francesa Orlan que utiliza o próprio corpo como suporte da sua obra, recentemente, e pela primeira vez, editada em Portugal pelo Centro Português de Serigrafia.

“Uma arte renova-se desde que regresse à sua definição e às suas origens.”
Jean Cassou, Situação da Arte Moderna.

Deixemos o nosso olhar conduzir, em cada um dos universos aqui representados, a nossa viagem, no seio das linhas, das formas e das cores, dos espaços da pintura, entre a razão e a imaginação, o consciente e o inconsciente que é afinal mais do que a natureza, ou o mundo no seu infinito caleidoscópio de imagens cada vez mais infiéis às aparências, a grande pedreira onde o artista alimenta a sua interrogação dos mistérios essenciais. Em sintonia com a lição de Gilbert Durand, nas suas Estruturas Antropológicas do Imaginário e da poética abordagem da arte de Gaston Bachelard.

A natureza apresenta-se nesta mostra com múltiplos rostos, com outras tantas múltiplas e irredutíveis expressões plásticas, que por sua vez alimentam universos de uma exclusiva complexidade ou de uma igualmente irrepetível mágica simplicidade que traduzem as linguagens e os estilos particulares de cada autor na sua ligação à universal linguagem da arte.

O verdadeiro poder da imagem é situar-nos sempre na origem de tudo e na sua própria origem, como instrumento de um conhecimento inesgotável. Diante de cada uma destas obras e seja qual for a sua especificidade, coloquemo-nos sempre como Édipo diante da esfinge. Procurando na sua linguagem, mas sobretudo no seu silêncio, entre o dito, o não dito e o interdito, não apenas o segredo da sua génese, ao espelho da realidade ou nos continentes submersos do imaginário, o nosso próprio segredo, tão eterno e insondável como a própria arte.


Maria João Fernandes
AICA - Associação Internacional de Críticos de Arte

 

Exposição Os Poderes da Imagem,comemorativa dos 40 Anos de Centro Português de Serigrafia.
Patente ao público na Sociedade Nacional de Belas Artes, de 24 de julho a 30 de agosto de 2025
Horário: Segunda a Sexta, das 12h às 19h | Sábado, das 14h às 19h
Morada: Rua Barata Salgueiro, 36, 1250-044, Lisboa
Tel.: (+351) 21 313 8510

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