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Exposição de Isabelle Ferreira no MAAT evoca "salto corajoso" de emigrantes portugueses

A artista Isabelle Ferreira narra a passagem clandestina dos emigrantes portugueses para França nos anos 1960, e das suas histórias “invisíveis”, numa exposição que abre ao público no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa.    

Isabelle Ferreira, Fatum (rose), 2025.

Intitulada “Notre Feu”, a mostra, composta por várias séries de obras recentes, é a primeira individual em Portugal da artista, filha de emigrantes portugueses, e propõe uma reflexão poética e política sobre memórias do tempo da ditadura salazarista.

Entre as peças apresentadas, destaca-se “L’invention du courage (O salto)”, (“A Invenção da Coragem”, em tradução livre), um conjunto de retratos baseados em fotografias anónimas que evocam o ritual vivido pelos emigrantes antes da partida, quando entregavam a sua imagem a um passador como prova de identidade e esperança.

Cada candidato a emigrante entregava uma fotografia de passaporte a um passador, que a rasgava ao meio, e a primeira metade era entregue à família, a um amigo ou pessoa de confiança, enquanto a outra era guardada pelo emigrante clandestino durante a sua passagem.

Quando chegava a bom porto, enviava a sua parte da fotografia à família para que fosse acrescentada à metade que lhe faltava, momento em que a fotografia reconstituída desencadeava o pagamento do restante valor.

Isabelle Ferreira apresenta nesta série pinturas de partes de retratos a partir de fotografias anónimas transpostas para madeira, deixando nelas a marca das dimensões afetivas e emocionais da imagem de passaporte da época que era o garante de uma passagem bem-sucedida para um desejado futuro melhor.

Questionada pela agência Lusa se a exposição constitui uma homenagem aos emigrantes, a artista disse: “É uma homenagem ao meu pai, que fez esta travessia dos Pirenéus nos anos 1960. Andou oito dias e noites, até as solas dos sapatos se gastarem, e enfrentando o risco de ser capturado pela guarda civil de Portugal e de Espanha”, recordou.

E se o seu trabalho - que foca uma realidade específica dos anos 1960 – contém algo em comum com as atuais migrações em direção à Europa, a artista diz não ter dúvidas de que, “enquanto existirem desigualdades sociais, vai continuar a existir migração”.

“Esta é uma realidade social, política e económica”, reiterou à Lusa Isabelle Ferreira, nascida em 1972 em Montreuil, França, cujo trabalho já foi apresentado na Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, no Instituto de Arte Contemporânea de Villeurbanne, e na 23.ª edição do Festival L’Art dans les Chapelles, na Bretanha.

Com curadoria de Joana P. R. Neves, a mostra, inspirada pela herança familiar da artista, propõe uma experiência sensorial e poética, ao mesmo tempo que reflete sobre migração, exílio e identidade de milhares de pessoas que saíram do país em busca de liberdade e de melhores condições de vida.

O título, “Notre Feu” (“O Nosso Fogo”), remete para as noites à volta da fogueira, um símbolo de partilha, resistência e pertença, e para “a energia interior que impulsiona o movimento humano e a criação artística”, segundo a criadora cujas obras integram coleções como a do Museu de Artes de Nantes, Fundo de Arte Contemporânea – Coleções de Paris e Frac Normandia, em França.

Uma peça de grandes dimensões – intitulada “Staccato” – também inspirada no gesto de rasgar, foi instalada diretamente na parede da galeria do museu, onde se dispõem centenas de fragmentos de papel pintados à mão com tintas de várias cores, extraídas pela artista de plantas dos caminhos da emigração e das texturas das pedras das montanhas dos Pirenéus.

Outra das séries apresentadas nesta exposição, intitulada “Fatum”, fragmentos de papel rasgado foram dispostos e fotografados para mostrar uma relação direta entre mão, papel e cor, através da qual Isabelle Ferreira convoca a ideia de destino e escolha, onde a composição surge como metáfora da vida e das múltiplas possibilidades que cada percurso contém.

Noutra das séries criadas de 2021 até à atualidade, intitulada “Les témoins” (“As Testemunhas”, em tradução livre), a artista reúne três painéis com rodas, que transportam imagens de montanhas, picos escarpados e cumes nevados, simbolizando os obstáculos e as dificuldades enfrentadas pelos emigrantes obrigados a atravessar a pé os Pirenéus sob a vigilância das autoridades.

“Todas estas histórias de vida diferentes têm a ver com ‘o salto’. Os meus pais emigraram por questões económicas”, declarou a artista, comentando que “Notre Feu” remete para o fogo “que arde dentro de cada um” aspirando a uma vida melhor.

A exposição “Notre Feu” (“O Nosso Fogo”) vai ficar patente no MAAT até ao dia 2 de março de 2026.


Fonte: LUSA | 21 de outubro de 2025

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