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Museu do Neo-Realismo traça percurso por décadas do teatro português em exposição

Exposição “Espelhos de ver por dentro: o teatro no neorrealismo português” propõe um percurso pelo teatro da década de 1940 até à atualidade.

Inaugurou no passado sábado, no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, a exposição “Espelhos de ver por dentro: o teatro no neorrealismo português”, um percurso que revisita a produção teatral neorrealista desde a década de 1940 até aos dias de hoje, com curadoria de Miguel Falcão.

A exposição parte do vasto acervo do museu e revela tanto textos conhecidos como inéditos, organizados em seis núcleos expositivos. O título — inspirado na definição de teatro formulada por Alves Redol, para quem o palco era “um espelho de ver por dentro” — sublinha a ideia central de que cada dramaturgo, cada obra e cada estética funcionam como múltiplos “espelhos” da sociedade portuguesa.

Miguel Falcão explica que estes “espelhos” são tematicamente e formalmente diversificados, convocando o visitante a refletir não apenas sobre o passado — das décadas de 1940 a 1970, marcadas pela ditadura e pela censura — mas também sobre os desafios contemporâneos. Muitos dos textos revelam, hoje, uma surpreendente atualidade.

O primeiro núcleo evidencia que o teatro neorrealista foi mais vasto do que tradicionalmente se reconhecia. Para lá de autores mais citados como Alves Redol, Romeu Correia ou Avelino Cunhal (Pedro Serôdio), o neorrealismo contou com romancistas, contistas, poetas e dramaturgos que passaram pelo movimento ou se aproximaram dele, entre os quais Vergílio Ferreira, ainda ligado ao neorrealismo no final dos anos 1940.

Neste núcleo encontram-se também numerosas peças publicadas em livro, acompanhadas de biografias dos autores, e obras de referência — ideológicas ou teatrais — que influenciaram diretamente estes escritores, portugueses e estrangeiros.

Com design gráfico contemporâneo, a exposição integra ainda áreas cenografadas concebidas por Artur Pinheiro, diretor de arte com experiência em teatro, cinema e televisão. Entre estes ambientes destaca-se o “escritório de um escritor neorrealista”, com lombadas cenográficas que recriam dezenas de livros marcantes para o movimento.

O segundo núcleo, dedicado à censura, recorda que o teatro foi simultaneamente perseguido e instrumentalizado pelo regime. Além da ação repressiva, destaca-se a dimensão da autocensura, com companhias que desistiam de estrear peças após acumular sucessivas recusas de autorização. Uma zona expositiva com gavetas revela textos completos, incompletos ou apenas esboçados — peças que nunca chegaram a palco — de autores como Joaquim Namorado ou Sidónio Muralha.

A renovação teatral, tema do terceiro núcleo, situa-se no pós-guerra e na expectativa de “novos ventos”, quando a censura abrandou e surgiram grupos amadores ou mistos. Destacam-se o Teatro Estúdio do Salitre, animado por Gino Saviotti, e o Teatro Experimental do Porto, fundado no final dos anos 1940, ambos com ligações relevantes ao neorrealismo.

No quarto núcleo — “Palcos autorizados” — demonstra-se que, apesar das restrições, a dramaturgia neorrealista foi representada por companhias prestigiadas entre as décadas de 1950 e 1970, como a Amélia Rey-Colaço/Robles Monteiro ou o Teatro Moderno de Lisboa, que contou com figuras como Cármen Dolores, Ruy de Carvalho e Rogério Paulo.

A mostra inclui ainda peças adaptadas para rádio e televisão, com especial atenção a “Forja”, de Alves Redol — considerada a peça neorrealista por excelência — escrita em 1949 e estreada em 1969 no Teatro Laura Alves. Antes disso, já havia sido representada em Moçambique, onde a censura era menos severa.

Entre as obras apresentadas figuram também “A Traição do Padre Martinho”, de Bernardo Santareno (estreada em Portugal em 1974), e “O dia seguinte”, de Luiz Francisco Rebello, escrita em 1948/49 e encenada primeiro no estrangeiro, apenas chegando à cena portuguesa em 1963.

O quinto núcleo, descrito como o mais “esplendoroso”, mergulha nos palcos clandestinos — um ambiente intimista que evoca leituras para operários, teatro de marionetas e outros formatos de forte crítica social e política.

O percurso encerra com “Depois do Neorrealismo”, núcleo que mostra várias dezenas de montagens pós-25 de Abril, contrariando a ideia de que o teatro neorrealista deixou de inspirar criadores contemporâneos. Peças de Bernardo Santareno continuaram a ser encenadas com grande impacto logo após a revolução, como “Português, escritor, 45 anos de idade”.

A exposição inclui ainda um programa paralelo com visitas guiadas por Miguel Falcão e peças curtas apresentadas pelo grupo Cegada.


Fonte: Lusa | 29 de novembro de 2025

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