Comédia
Gregório Duvivier volta a pisar os palcos portugueses
Depois de um enorme sucesso no Brasil, o aclamado ator e humorista do “Porta dos Fundos” chega agora a Portugal para uma digressão de “Sísifo”: um monólogo escrito pelo próprio em parceria com Vinícius Calderoni, coautor e diretor da peça.

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Inspirado no mito grego de “Sísifo” - o homem que carrega diariamente a sua pedra morro acima para vê-la rolar ladeira abaixo e começar tudo de novo - o texto assinado pela dupla brasileira, relaciona a mitologia grega com o caótico mundo globalizado e “híperconectado”, trazendo a palco temas contemporâneos e urgentes, para falar e refletir, sobretudo, sobre a condição humana.
Traduzido em 60 histórias muito curtas onde cabem personagens de todos os tipos, o texto vai da comédia, à tragédia, passando pela poesia e pelo drama, recriando o mundo dos memes e dos gifs em palco, numa analogia à história de humanidade, à vida contemporânea e ao contexto social e político do Brasil. Fake news, suicídio transmitido através da internet, influenciadores digitais e tragédias brasileiras como o assassinato de Marielle Franco ou o incêndio do Museu Nacional, são apenas alguns exemplos dos vários temas tratados em “Sísifo” e brilhantemente retratados por Gregório Duvivier.
Com a produção da H2N -Phenomena Makers, produtora responsável pelo Festival “Porta dos Fundos” e pelo espetáculo de improvisação “Portátil” em Portugal, “Sísifo” estreia-se em Lisboa no dia 28 de novembro no Tivoli BBVA e passa depois por Braga (30.11 - Espaço Vita), Caldas da Rainha (01.12 - Centro Cultural e de Congressos), Porto (2.12 - Teatro Sá da Bandeira ), Estarreja (3.12 - Cineteatro de Estarreja) regressando novamente à capital no dia 4 de dezembro. A peça é para maiores de 12 anos e os bilhetes já se encontram à venda e podem ser adquiridos na Ticketline e na BOL.
MAIS SOBRE “SÍSIFO”
Há uma célebre frase de Marx que diz que a história acontece primeiro como tragédia, depois como farsa. Pensando no Brasil contemporâneo, podemos acrescentar, como hipótese, um terceiro desdobramento: a história acontece primeiro como tragédia, depois como farsa e por fim, como meme? Acompanhar as desventuras de um país em moto perpétuo que repete indefinidamente o DNA de sua desigualdade social num ciclo patológico traz à tona a dúvida: será o Brasil uma nação aprisionada dentro de um gif animado? Estará cada indivíduo desta nação girando na mesma rotação e submetido pessoalmente à mesma lógica (des)ordenadora de todo país?
Sísifo, a primeira colaboração cénica entre Gregorio Duvivier e Vinicius Calderoni é uma investigação cénica de como transpor para o palco a linguagem do gif e do meme, pensar como a dramaturgia pode dar conta desta modalidade da comunicação que, com uma velocidade assustadora, torna-se hegemónica no ocidente, moldando a cultura e o comportamento. Também é um espetáculo pensado como resposta artística a um momento histórico em que a desumanização domina a política e a inteligência artificial suplanta o calor dos corpos.
Há uma evidente e estreita associação entre o aumento exponencial da intolerância e do desprezo pela alteridade com a crescente robotização do eleitor e do internauta, que passa a ser um repetidor de memes e notícias fake. Repetidores autómatos, não sabemos mais diferenciar o que é realidade, sonho, meme ou fake news. Sísifo quer tentar reestabelecer estas fronteiras, e, neste movimento, reestabelecer e reconstruir nossa própria sanidade mental.
Ao mesmo tempo, Sísifo apresenta-se como uma recriação do célebre mito de Sísifo, uma figura condenada a levar uma pedra morro acima, vê-la rolar e recomeçar o trabalho por toda a eternidade. Não é, contudo, uma recriação ?el da história que o mito veicula, mas sim uma inspiração norteadora, um leitmotiv que se apresenta como fio condutor dentro de uma peça livre, ensaística e essencialmente contemporânea.
A escolha do mito de Sísifo parece ainda mais interessante quando posta em perspetiva porque parece ser, de algum modo, a matriz do teatro, a arte da repetição infinita, por essência.
Albert Camus, em seu célebre ensaio acerca do mito de Sísifo, Le mythe de Sisyphe, contraria as expectativas do senso comum e diz que imagina um Sísifo feliz dentro de sua tarefa eterna de carregar a pedra morro acima. Duvivier e Calderoni concordam e almejam construir, em Sísifo, um espetáculo em que a repetição teatral consiga fazer-nos sair do ciclo doentio de repetição patológica da realidade.