Teatro
"Estudos sobre o desejo – Tomo II – O Horla"
Com estreia a 28 de junho, a peça de Miguel Maia, inspira-se no conto “O Horla” de Guy de Maupassant.

28 Jun a 10 Jul 2022
Um espetáculo onde o teatro se cruza com a dança e com o potencial do lugar onde se instala e acontece. Um ensaio sobre o desejo que vai ao encontro dos nossos fantasmas.
Em cena até dia 10 de julho, no Armazém 16, em Marvila.
O Horla” é o segundo tomo de um tríptico teatral sobre o tema do desejo, iniciado por Miguel Maia em 2019, com “O Barão”. A sua base é o conto homónimo de Guy de Maupassant (1886), uma história ao estilo romântico, com laivos góticos, sobre um homem que, face a uma série de situações inusitadas, põe em dúvida a sua sanidade mental.
Esta criação parte do fascínio de Miguel Maia pelo tema do desejo, no seu sentido mais lato, enquanto ideia abrangente que enforma tanto o nosso funcionamento na vida diária, como o trabalho do ator, no palco, quando se movimenta, quando realiza uma ação, quando procura aquele outro ser que é a personagem. Tema esse que foi base de muita da produção literária e da busca científica, no cruzamento entre o inconsciente e o desconhecido, tanto no século XIX como no século XX.
O conto de Maupassant narra a história de um homem abastado, que vivia nas margens do Sena. Certo dia após ter avistado um barco proveniente de um país tropical, começa a sentir estranhos sintomas que o lançarão num turbilhão de acontecimentos perturbador. O seu humor decai rapidamente e, para confirmar a sua suspeita de que uma presença o assombra, leva a cabo uma série de experiências, constatando que um estranho ser bebe da sua água e do seu leite, não tocando em nada sólido. O que de início começa por ser uma sensação de estranheza, rapidamente se apodera da sua mente, colocando em causa as suas certezas sobre si, sobre o seu corpo, os seus sentidos e o mundo que o rodeia.
Neste espetáculo-estudo (formato pelo qual Miguel Maia tem denominado algumas das suas criações), cruza-se o ambiente gótico do conto de Maupassant com algumas das postulações filosóficas que deram forma à ideia de desejo desde o início do século XX, de Nietzche a Deleuze, de Freud e Lacan. Para isso, aprofunda-se o cruzamento entre texto e corpo, numa relação dialética com o papel do ator em cena. Será o desejo a atração do intérprete pelo abismo da história e da personagem? Que coisa é esta de encontrar formas de contar histórias de outros com o nosso próprio corpo? Será o desejo uma força em direção a esse outro, ou um caminho que se constrói em todas as direções?
Em “Estudos sobre o Desejo – Tomo II – O Horla”, o ponto de partida é o não-lugar da dúvida absoluta. É de lá que se coloca em questão a forma de procurar a personagem, o seu corpo e o seu lugar/cenário. Ou seja, procurar nos intérpretes os corpos que lhe dão vida, procurar o contexto onde esses corpos podem habitar. O desejo materializa-se nesta pulsão de busca, cada vez mais frenética, de um fantasma que talvez seja o nosso reflexo. Nestas investidas, cada vez mais profundas, o corpo deixa de responder a ordens e procura, ele próprio, as suas possibilidades de fuga. Até à possibilidade de se espelhar em cada corpo a imagem da força motriz do desejo.
Através de uma composição cénica que se modifica e se expande e de uma proposta audiovisual que continuamente nos desafia, somos o Horla, esse ser invisível e transformador, no Armazém 16, em Marvila, uma antiga plataforma ferroviária do princípio do século XX.
Todos os caminhos ficam em aberto quando, num palco singular, misturamos atores e desejo.