Música
Retiro Sinfónico
Gustav Mahler pela batuta de Tiago Oliveira e a Orquestra Académica da Universidade de Lisboa.

25 Mai 2025 | 16h00
CNEMA - Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas
Quinta das Cegonhas, 2000-471 Santarém
Concerto a decorrer no dia 25 de maio, às 16h, no CNEMA em Santarém.
(Entrevista a Tiago Oliveira, maestro da Orquestra Académica da Universidade de Lisboa)
Fale-nos um pouco deste projeto da Orquestra Académica da Universidade de Lisboa.
A Orquestra Académica da Universidade de Lisboa existe há cerca de 11 anos, eu estou lá como maestro desde 2017, e é essencialmente formada por estudantes e pessoas que têm outras profissões que não a música. Temos um horário de ensaio fixo semanal, que é às quartas-feiras, com alguns ensaios extra de reforço consoante os concertos programados. Esta orquestra nasceu no seio da Universidade de Lisboa, impulsionada por um ex-vice reitor que tinha muito apreço por atividades culturais. A Orquestra de Câmara Portuguesa (OCP) numa primeira fase foi uma associação que deu oportunidade à orquestra de dar os seus primeiros passos. Neste momento a orquestra é uma associação sem fins lucrativos, apesar de ser apoiada pela Reitoria da Universidade de Lisboa, de termos sede lá e trabalharmos lá. É um projeto único no nosso país e seria muito interessante ser explorado noutros lugares ou contextos.
Como surgiu a ideia da escolha desta sinfonia?
Já é habitual, e acontecia com os maestros anteriores, no final de cada temporada, fazermos um concerto com uma obra de maior dimensão (como é o caso do género sinfónico). Quando comecei a dirigir a orquestra fizemos a Sinfonia do Novo Mundo de Dvorak (chegámos a tocá-la no Convento de São Francisco, foi a primeira vez que viemos a Santarém, em 2018), depois a 4ª Sinfonia de Joly Braga Santos, a 5ª de Beethoven, a 1ª Sinfonia de Brahms, o ano passado a 5ª Sinfonia de Tchaikovsky e este ano a 1ª de Mahler. Há várias razões para a escolha desta sinfonia em particular, mas que estão todas interligadas. A primeira tem a ver com o crescimento da orquestra. Quando eu entrei há sete, oito anos atrás, seria impensável fazer esta sinfonia. A outra razão, tem a ver com uma questão mais simbólica. Esta primeira sinfonia é uma sinfonia de questionamento, de procura, de luta interior. Tal como Mahler subintitula o último andamento “do inferno ao paraíso”, aí vemos simbolicamente representada essa nossa caminhada enquanto músicos amadores, enquanto grupo que se continua a construir, que se continua a questionar, através da música. Nela, as pessoas preenchem áreas da sua vida: o nosso ensaio de quarta feira é para muita gente um momento de catarse, de sair um bocadinho das preocupações do dia, da faculdade, do trabalho. Esta sinfonia tem funcionado desse modo, como esse caminho, essa procura. O início da sinfonia é quase uma provocação para tal. Não é por acaso que no fim de semana do concerto nós vamos fazer um retiro, que será um momento de “encontro” entre os músicos. Esta sinfonia em particular, era uma obra que já estava na minha cabeça há algum tempo, há sensivelmente dois anos, e eu sabia que era necessário fazer um caminho até ela, e felizmente este é o momento.
(Entrevista a Tiago Oliveira, maestro da Orquestra Académica da Universidade de Lisboa)
Fale-nos um pouco deste projeto da Orquestra Académica da Universidade de Lisboa.
A Orquestra Académica da Universidade de Lisboa existe há cerca de 11 anos, eu estou lá como maestro desde 2017, e é essencialmente formada por estudantes e pessoas que têm outras profissões que não a música. Temos um horário de ensaio fixo semanal, que é às quartas-feiras, com alguns ensaios extra de reforço consoante os concertos programados. Esta orquestra nasceu no seio da Universidade de Lisboa, impulsionada por um ex-vice reitor que tinha muito apreço por atividades culturais. A Orquestra de Câmara Portuguesa (OCP) numa primeira fase foi uma associação que deu oportunidade à orquestra de dar os seus primeiros passos. Neste momento a orquestra é uma associação sem fins lucrativos, apesar de ser apoiada pela Reitoria da Universidade de Lisboa, de termos sede lá e trabalharmos lá. É um projeto único no nosso país e seria muito interessante ser explorado noutros lugares ou contextos.
Como surgiu a ideia da escolha desta sinfonia?
Já é habitual, e acontecia com os maestros anteriores, no final de cada temporada, fazermos um concerto com uma obra de maior dimensão (como é o caso do género sinfónico). Quando comecei a dirigir a orquestra fizemos a Sinfonia do Novo Mundo de Dvorak (chegámos a tocá-la no Convento de São Francisco, foi a primeira vez que viemos a Santarém, em 2018), depois a 4ª Sinfonia de Joly Braga Santos, a 5ª de Beethoven, a 1ª Sinfonia de Brahms, o ano passado a 5ª Sinfonia de Tchaikovsky e este ano a 1ª de Mahler. Há várias razões para a escolha desta sinfonia em particular, mas que estão todas interligadas. A primeira tem a ver com o crescimento da orquestra. Quando eu entrei há sete, oito anos atrás, seria impensável fazer esta sinfonia. A outra razão, tem a ver com uma questão mais simbólica. Esta primeira sinfonia é uma sinfonia de questionamento, de procura, de luta interior. Tal como Mahler subintitula o último andamento “do inferno ao paraíso”, aí vemos simbolicamente representada essa nossa caminhada enquanto músicos amadores, enquanto grupo que se continua a construir, que se continua a questionar, através da música. Nela, as pessoas preenchem áreas da sua vida: o nosso ensaio de quarta feira é para muita gente um momento de catarse, de sair um bocadinho das preocupações do dia, da faculdade, do trabalho. Esta sinfonia tem funcionado desse modo, como esse caminho, essa procura. O início da sinfonia é quase uma provocação para tal. Não é por acaso que no fim de semana do concerto nós vamos fazer um retiro, que será um momento de “encontro” entre os músicos. Esta sinfonia em particular, era uma obra que já estava na minha cabeça há algum tempo, há sensivelmente dois anos, e eu sabia que era necessário fazer um caminho até ela, e felizmente este é o momento.
De que forma podemos encontrar ou conhecer Mahler através desta sua obra?
Se calhar nenhum outro compositor, a não ser Beethoven, nos dê esses traços autobiográficos.
É curioso que Mahler nas várias versões pelas quais esta sinfonia passou, inicialmente até era um poema sinfónico em duas partes, inclusive tinha mais um andamento, depois até acabou por retirar a palavra titã do título da sinfonia que já não consta na sua última versão. Estou a dizer isto porque eu penso que não se trata tanto de uma sinfonia de poder, no sentido desse poder material, terreno ou sobre os outros, mas do poder sobre nós próprios, do desenvolvimento pessoal que nos leva ao nosso poder sobre nós próprios.
Numa conversa com Jean Sibelius na qual este afirmava que a sinfonia tinha de ser algo bem medido, bem desenhado e bem estruturado, Mahler responde que não, que a sinfonia tem de ser uma obra que abarque tudo, que abrace o mundo inteiro. E penso que esta obra tem isso. Para já, começa da forma mais completa que podia começar. Temos a unidade e o todo, nesta nota, nestes harmónicos, e que me faz lembrar isso, como se fosse o som do universo. É como se naquela nota nós tivéssemos acesso a tudo, a toda a existência, "ad eternum". E a partir dessa nota inicial, tudo se vai desenvolver, numa espécie de caminhada. O próprio Mahler era um homem que vivia um bocadinho no mundo dele, que se encontrava muito no mundo dele. Segundo um relato, o pai uma vez foi com ele dar um passeio no meio do bosque, na floresta, e deixou-o por lá. Passado umas horas voltou e o pequeno Mahler estava exatamente no mesmo sítio sentado em cima de uma pedra. Há outros episódios em que ele, com apenas três anos de idade, saía de casa porque ouvia lá fora, ao longe, uma banda militar, ao qual o compositor faz referência no início da obra com clarinetes e depois com os trompetes, e ia atrás da banda e perdia-se na cidade completamente sozinho. Temos este mundo idílico, meditativo, de contacto com a natureza, com o natural, e ao mesmo tempo, o contacto com a realidade e a brutalidade da sua própria vida. De tudo aquilo que ele viveu, desde a morte consecutiva dos irmãos, mês após mês, até o pai a bater na mãe, as coisas obscenas que ele via na taberna do pai. Quando chegamos ao terceiro andamento e temos aquela marcha fúnebre que ele vai buscar a uma famosa canção infantil, o "Frère Jacques", e a transforma num cortejo fúnebre, sendo ao mesmo tempo uma paródia de humor negro, ligado à ligação cultural dele com o judaísmo. É um mundo louco e ao mesmo tempo idílico. Mahler é isso, um homem completamente ligado a si próprio, à simplicidade da vida, mas também ao turbilhão e à dualidade plena. A pergunta que ele mais fez na vida foi “para quê tudo isto?” ou “para que serve isto tudo?”, a vida, a morte, para onde é que nós vamos? Não nos podemos esquecer que na primeira sinfonia nós estamos a falar de um jovem de vinte e poucos anos, que ainda estava à procura do seu espaço no meio profissional e que ainda não era conhecido como compositor. Ele compôs uma obra para um concurso no conservatório de Viena, e nem sequer foi premiado. Ele era assistente do maestro da ópera de Viena. Aliás, a primeira sinfonia foi um fiasco…
E como é que esta obra se enquadra na atualidade? Como é que reflete a sociedade atual?
Tem a ver com esta dualidade e com os polos opostos, ou seja, a forma como numa obra, como na primeira sinfonia, nós conseguimos ter num determinado momento esse lado idílico da tolerância, da aceitação, e no segundo a seguir, ou no andamento a seguir, nós temos o extremo da brutalidade, da tragédia, do drama, do horror, tudo na mesma obra. E o que Mahler nos mostra é que tudo faz parte. Claro que hoje as coisas estão extremadas. Mahler obriga-nos a refletir como eu acho que ele também refletia muito. Por isso é que no verão quando ia de férias precisava de fugir para a sua cabana para poder abstrair-se do ruído e ficar apenas com o essencial. Esta é uma questão, e que é facilmente transponível para os dias de hoje.
A outra é uma questão mais técnica, que se relaciona com a forma como ele escrevia música, e que se resume a::“nada está a mais”, cada linha que ele escreve é absolutamente essencial, e, apesar de fazer parte de um contraponto, por vezes até complexo, e aparentemente até caótico, tudo tem lugar. Transpondo para a nossa voz individual, do indivíduo, em que cada um tem a sua personalidade, a sua identidade, a sua forma de estar, a sua forma de ser, as suas opiniões, a sua ideologia, e todos nós temos lugar neste mundo, nesta sociedade, e através da obra dele isso é muito claro. Nada está a mais, nada é supérfluo, pode ser um ensinamento que podemos tirar da sua obra. Não estou a falar só de momentos onde ele coloca dois violinos a fazer um solo no meio da orquestra, mas falo mesmo no solista que cada instrumentista é chamado a ser, mesmo num tutti no meio de um fortíssimo.
O que mais gosta da 1ª sinfonia de Mahler que vão tocar?
Há uma coisa em particular nesta sinfonia, sendo a primeira vez que estou a dirigir uma sinfonia de Mahler, que se sente desde o primeiro momento, e que eu sinto também com a música de Bach: é uma música que tem uma magia, que parece que se ativa de uma forma absolutamente verdadeira quando nós começamos a tocá-la, a cantá-la, a dirigi-la, e isso é o que eu mais gosto nesta música. Tem um impacto, como se nós conseguíssemos mexer na música que estamos a ouvir. Isso é provavelmente a coisa que mais me toca na música de Mahler, e nesta sinfonia, e o que faz com que quando estamos a trabalhar com a orquestra e especialmente com esta orquestra, e sentimos que este é um trabalho verdadeiramente humano, em que a música é real. E é uma música que nos põe à prova, que nos desafia, que nos faz sofrer, que nos faz estar exuberantes, que nos faz realmente existir.
O que diria sobre este evento de 25 de Maio para que as pessoas viessem assistir ao concerto?
A forma é fazer com que o público perceba que está a fazer parte. Porque a alienação hoje em dia é um dos grandes flagelos. O convite mais forte que eu poderia deixar, é que o público não vá para ouvir a orquestra académica, ou para ouvir a primeira sinfonia de Mahler, mas que o público vá para se ouvir a si próprio, através da música de Mahler, através da orquestra académica. Isto no sentido de nos darmos a oportunidade de sermos nós próprios, de nos darmos espaço para nos ouvirmos, para nos questionarmos, para existirmos. Hoje em dia falamos muito da questão tecnológica, da internet e das redes sociais, de realmente percebermos que ainda podemos ter lugar e que não somos simplesmente uma entidade coletiva sem uma forma individual. Penso que este pode ser o maior convite: venham para se ouvir, para se escutarem. A música de Mahler falará por si, sem dúvida.
Sílvia Mendonça
Centro Cultural Regional de Santarém