Animação Cultural
Diga 33. Poesia no Teatro - Às terças terças-feiras de cada mês
Conjunto de colóquios animado por um sempre diverso coro de corifeus, com o Henrique Fialho a contramestre.

20 Fev 2018 | 21h30
O teatro será anterior à poesia se dissermos que no princípio era o gesto — e o gesto será anterior à imagem, a consciência dela, e certamente ao hieróglifo. O gesto surge com o corpo e uma linguagem é-lhe posterior. Isto se ignorarmos a dimensão verbal do gesto. Mas sem o verbo o gesto é uma sinalética. Só a dança e o teatro contemporâneos — e a poesia, desde sempre dada à desregra —, menos vidrados em contrariar a gravidade com pontas segundo uma codificação própria, nos libertam para ler o que nas cenas se move com olhos reinventados pelo próprio imprevisto da escrita, um vocabulário que nos realfabetiza pois nos apanha descalços, sem saber ler mesmo sabendo — não falo de aldrabices, falo de invenção. A poesia e o teatro vêm do mesmo ritual. A festa que gera o teatro tinha cânticos, ditirambo (odes), coros e dança. Dança mais poesia coral igual a representação, de uns para os outros — não existiam espectadores, iam arrastados na torrente, por certo —, a celebração é a de um em comum fora das normas. O teatro foi sendo esse contentor que junta “disciplinas” em busca de uma estrutura sempre renovada e sempre investida na génese, esse modo grego de ser, mas no princípio era festa. A festa é anterior a qualquer codificação estrita, liberdade única tribal, colectiva, sem formatação disciplinar. A poesia é teatro, o teatro é poesia. Desligá-los teve a ver com a estruturação da sociedade em classes, com papéis sociais, funções, separação entre simples e intelectuais.
Ao convidar o Henrique a elaborar este programa quisemos juntar tudo: a necessidade de libertar os ouvidos do excesso de imagens que os olhos lhes impuseram, a possibilidade de viajar no tempo até um antes do livro num momento em que o livro está em causa, o privilégio de conhecer o que se escreve hoje, entre nós, e como se escreve e publica, o prazer a partilhar de falar de ler poesia e da necessidade de encontrar espaços de um comum para o fazer, quisemos portanto realizar nestas terças terças-feiras propostas uma viagem às paisagens do impossível, pois será apenas nessas que a verdadeira celebração da nossa vocação como humanos — sapiens sapiens sapiens (e a importância de que isso se reveste com este ataque do pré-neandertal trumpismo)— poderá acontecer. Acreditamos, porque somos fazedores de imagens imprevistas por destino de opção — sonoras, auditivas e tácteis — que será por aqui que poderemos encontrar uma sociedade radicalmente nova.
A poesia é uma inspiração para o teatro, uma libertação do teatro, particularmente do teatro das entoações havidas. A convenção quando se torna polícia reprime e mata, quando é liberdade de um comum aceite pelo comum liberta.
Hoje a “agenda” é esta, a nossa esperança é parir nestas terças terças-feiras de cada mês uma espécie de dias do avesso — mesmo sublime — entre a beleza, a leveza e o baixo carnal, o gozo de viver, já que o corpo nunca se esquece em quem habita e quando é o caso está lá para dizer que existe. Dias de concentração e festa sem festival, de teatro sem espectáculo. Nas costas do mundo que aí está para conspirar de modo cúmplice, tecer cumplicidades. Em rede, como na guerrilha.
E como dizia um mestre, dias de momentos de um silêncio partilhado intimamente em assembleia, politicamente. Fernando Mora Ramos
20 de fevereiro às 21h30
Na Sala Estúdio do Teatro da Rainha
2ª sessão com Paulo da Costa Domingos (Autor e Editor da FRENESI)
PAULO DA COSTA DOMINGOS (Lisboa, 1953) é escritor, editor e antiquário de livros. A estreia literária deu-se em 1972, tendo parte da obra inicial sido revista e reunida no volume Carmina, 1971-1994 (Antígona, 1995). Foi um dos co-organizadores, com os poetas Al Berto e Rui Baião, da antologia Sião (Frenesi, 1987). Editor na Frenesi, foi estreito colaborador de Vítor Silva Tavares na & etc. Em 2017, comissariou a exposição & etc: prolegómenos a uma editora. São do mesmo ano os seus mais recentes livros de poesia: A Céu Aberto (Averno) e Sumo de Limão — Silva de Versos (Frenesi). Parte do seu percurso encontra-se registado no volume autobiográfico Narrativa (1.a edição, Frenesi, 2009).
Li hoje um poema medido a pulso
dentro de mim. Sede pousada no labirinto
e, no centro, aquele conhecido verso
secreto que amanhece nas açoteias.
Disponível para o sexo e para as cousas d’alma.
Ah li-o, e era um bicho exasperado
por sair à caça
com o sol a dar-lhe no dorso alquímico dos sonhos.
Dum vigésimo andar pode partir-se
com botijas de oxigénio
ou de binóculos. Precário, insubmisso
ao Estado das coisas.
São outros, porém, os cravos
da moderna paixão:
casamentos, relógios de ponto,
habitação própria domesticam
o horizonte, e o horizonte
basta.
In “Figurações / Campo de Tílias”, com Carlos Ferreiro, frenesi, Lisboa, 1991.
PRÓXIMAS SESSÕES:
20 de março: manuel a. domingos (autor e editor na Medula)
17 de abril: Carlos Alberto Machado (autor e editor na Companhia das Ilhas)
15 de maio: Miguel-Manso (autor) e Pedro Mexia (autor, crítico, coordenador da colecção de poesia da Tinta-da-China)
19 de junho: Miguel de Carvalho (autor, livreiro antiquário, editor na Debout Sur L'Oeuf)
17 de julho: sessão de homenagem a Rui Costa, com a presença de André Corrêa de Sá, Margarida Vale de Gato, Cláudia Souto e de Vasco David, editor na Assírio & Alvim
18 de setembro: Helena Vieira (editora na Mariposa Azual, organizadora da antologia “Voo Rasante”)
16 de outubro: m. parissy (autor e editor na volta d'mar) e Jaime Rocha (autor)
20 de novembro: Recital
18 de dezembro: Ventilan (concerto de Natal)
Informações: 262 823 302 | 966 186 871 |comunicacao@teatro-da-rainha.com