Síntese do debate “A autonomia estratégica da União Europeia: uma prioridade para Portugal?”

O segundo debate do Ciclo de Debates sobre o Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) do CD-IEEI, que se debruçava sobre questão da “A Autonomia Estratégia Europeia, uma prioridade para Portugal?”, aconteceu no passado dia 25 de novembro, pelas 18h30, no Centro Nacional de Cultura (CNC). O debate contou com as intervenções de Isabel Valente e Licínia Simão, e moderação de Álvaro Vasconcelos.

Num primeiro momento, Álvaro Vasconcelos começa por contextualizar o debate, que surge em continuidade com as questões deixadas em aberto no debate que lhe precedeu, nomeadamente no que diz respeito à questão da Rússia, da Turquia, da segurança do Mediterrâneo e do Brexit. O que interessava perceber era qual o papel que a Europa devia assumir no seio da NATO e de que forma o pilar de defesa europeu devia ter uma capacidade militar autónoma, o que implica também o desenvolvimento de uma política externa e de segurança comum. Recuperava-se, assim, da última sessão a necessidade da UE e de Portugal de definirem autonomamente a orientação das suas opções estratégicas particularmente em relação à China, tal como tinha sido explicado pelo Ministro da Defesa.

A autonomia europeia que marcou o segundo debate era assim definida pela necessidade de uma fortificação do pilar europeu no seio da NATO – da qual a Europa não pode depender – e de uma posição clara por parte da União no que diz respeito aos assuntos sensíveis do seu enquadramento regional.

A intervenção de Isabel Valente centrou-se em dois pontos essenciais: o contributo do IEEI enquanto primeiro e mais importante think tank português de relações internacionais para o debate nacional em matéria de defesa; e a evolução histórica do CEDN e a definição da sua natureza – ora estrutural, ora conjuntural.

No que diz respeito ao primeiro ponto, sublinha o contributo de pensadores como José Calvet de Magalhães – Presidente do Concelho Geral do Instituto – no debate nacional no que diz respeito à questão americana e europeia, assim como dos projetos levados a cabo pelo Instituto no âmbito da defesa, nomeadamente através da criação de iniciativas como as Conferências de Lisboa, os debates nacionais sobre o futuro da europa, seminários em torno dos conceitos de segurança e defesa no pós-11 de setembro1, entre outros. O debate gerado pelo IEEI foi de especial importância, diz, no que diz respeito à definição de uma estratégia euro-atlântica e na integração dos países lusófonos e africanos nas prioridades estratégicas portuguesas e europeias.

Relativamente à segunda questão, referente à definição do CEDN propriamente dita, reflete que todos os conceitos até à data foram de natureza conjuntural: o CEDN de 1994 vinha no seguimento do fim da guerra fria; o de 2003 dos acontecimentos do 11 de setembro e a situação no Médio Oriente; o de 2013 da crise económica de 2008. Assim, comenta, as revisões do CEDN têm sido fruto da época, e por isso não definem uma orientação de longo prazo.

Isabel Valente problematiza ainda que o próximo conceito não deve centrar-se apenas nas lições do Afeganistão e, ao invés, deve procurar adensar a autonomia europeia enquanto prioridade estratégica nacional. O CEDN de 2013 já tinha dado algumas pistas em relação a este aspeto. Contudo, é necessário que esta nova revisão seja tanto estrutural como conjuntural e que reflita acerca da política externa dos últimos vinte anos, relacionando as questões da defesa e da segurança. O novo CEDN, deve, portanto, trazer para a contemporaneidade as questões que marcaram as suas versões anteriores.

Licínia Simão, por seu turno, aponta três pontos essenciais na sua comunicação: o do contributo português para a autonomia estratégica europeia; a Rússia no CEDN; e a orientação do novo CEDN na nova conjuntura internacional.

Respeitante ao contributo português para a autonomia europeia, é traçada a história da participação portuguesa em missões da UE e da NATO a partir dos anos 90 e que mostrou o esforço de internacionalização português. Estas intervenções, apesar de afastadas geograficamente dos interesses tradicionais portugueses, aconteceram numa base multilateral que permitiu a modernização das forças armadas.

Em 2016 há uma aceleração do desenvolvimento da política de defesa europeia, o que permite desfazer a ambiguidade entre a NATO e a UE. Neste período, Portugal procura acompanhar as dinâmicas de desenvolvimento da defesa europeia. Fala-se, nesta altura, do alinhamento das opções estratégicas portuguesas com as da União Europeia, em complementaridade com as opções estratégicas da NATO. A partir de 2017, contudo, esta aceleração sofre um revés com a eleição de Trump, que deslegitima a importância da NATO.

No que diz respeito à Rússia, apesar de Portugal não ter interesse particular na Rússia e esta não fazer parte das suas preocupações geoestratégicas, a sua relação com Moscovo deve ser pensada, exatamente, no quadro da Estratégia Europeia e da solidariedade para com aqueles Estados membro que partilham fronteira com o país.

No pós-Guerra Fria, a Rússia passou de aliado a ator irrelevante para hoje ser visto como uma potencial ameaça. A Rússia é um ator se segurança europeia, fruto não só da fronteira Leste com a União e do seu caráter geográfico euro-asiático, mas também da dependência energética europeia e do facto de a Rússia pretender destabilizar as relações transatlânticas.

Finalmente, no que diz respeito aos progressos que a nova revisão do CEDN pode trazer no contexto da autonomia estratégica europeia, Licínia aponta que o novo CEDN deve ter em conta os novos alinhamentos geopolíticos russos, nomeadamente no Médio Oriente, no sentido de procurar mitigar o impacto destes nas relações transatlânticas e, portanto, procurar agilizar as relações mediterrâneas. Deve, neste sentido, também aprofundar as relações com o Atlântico Sul, nomeadamente com a África e com a América Latina. Refere ainda que o CEDN deve ter como outras prioridades as consequências das alterações climáticas e incluir no vocabulário estratégico o conceito de resiliência.

No debate foram levantadas a questão do alargamento do CEDN às outras áreas da sociedade – como a economia, política, cultura, etc. Questiona-se, ainda, a posição que tem vindo a ser tomada pela União Europeia relativamente à Turquia e a necessidade de se pensar em soberania estratégica – em vez de autonomia – numa altura em que a NATO se vê fragilizada. Retomam-se também as questões deixadas na sessão anterior sobre a saída do Reino Unido e as suas implicações para a estratégia europeia.

Em forma de resposta, Licínia relaciona a deterioração das relações entre a Turquia e a UE com a falta de visão euro-atlântica turca, por um lado, e a indisponibilidade para prosseguir as negociações de adesão numa altura em que o estatuto de candidato à UE é já apenas meramente vestigial. Isabel Valente endereça a questão da especificidade do CEDN, concordando com a vulnerabilidade que este sofre em remeter-se a um âmbito fechado e pouco integrado na sociedade – este deve, sugere, contemplar os direitos humanos, a diplomacia, o ambiente e outros, aprofundando o pilar democrático. No que diz respeito ao Brexit, Isabel Valente sublinha a necessidade de a autonomia europeia carecer de assumir o Reino Unido como parte indispensável da política europeia de defesa.

Álvaro Vasconcelos sintetiza, em forma de conclusão, o debate em três pontos essenciais: i) os riscos de um conceito alargado da defesa nacional que facilite a narrativa populista e securitize as questões de ordem interna, sociais e políticos; ii) a necessidade de um processo de negociação que esteja disponível a fazer cedências para captar o Reino Unido para a estratégia de defesa europeia; e iii) definir uma perspetiva estratégica comum de contenção da Rússia e da recusa da bipolarização com a China.

Jéssica Moreira, com apoio de estudantes da
ULP – Marta Santiago e Renata Araújo
Dezembro 2021


[1] Os textos resultantes destas iniciativas podem ser consultados através dos seguintes links: https://www.e-cultura.pt/ieei e https://portalmemoria.defesa.gov.pt