Quem Somos

A memória do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais [IEEI]

A criação do Centro de Documentação virtual IEEI, no Centro Nacional de Cultura, corresponde à necessidade de colocar à disposição de todos o mais importante acervo documental sobre a política externa e de segurança portuguesa do pós-25 de Abril.

Os dilemas do presente, resultantes da crise europeia, da crise mediterrânica e da profunda transformação dos países de língua portuguesa, obrigam a repensar as opções internacionais das últimas 3 décadas. Este é um imperativo do nosso futuro. Toda a reflexão é o resultado do acumular das reflexões anteriores. Não fazia, por isso, qualquer sentido não se poder aceder ao legado intelectual do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais que, de 1980 a 2013 – ou seja, durante 33 anos – promoveu a investigação e o debate sobre a política internacional em Portugal.

Quando o IEEI nasceu, Portugal acabava de sair da crise de 1974-75, uma experiência única para toda uma geração que mostrou à saciedade a influência que tinha na vida dos portugueses e no seu futuro a política das superpotências e das potências europeias. A transição democrática mostrou aos portugueses que «nenhum país é uma ilha», parafraseando o poeta, alheia ao que se passa no mundo. Para os fundadores do IEEI, findo o império e a política do «orgulhosamente sós», era essencial encontrar uma nova inserção para o Portugal democrático e normalizar as relações político-militares, retirando às Forças Armadas o monopólio do pensamento estratégico. Os escritos sobre estratégia, em 1980, eram dominados pelo pensamento geopolítico atlantista, pesada herança do nacionalismo salazarista. A reflexão sobre a política de defesa refletia as ditas doutrinas alargadas da defesa nacional, herança da influência militar na democratização, que atribuía à política de segurança uma palavra sobre todas as questões da governação em Portugal. O que estava em causa era contribuir para a elaboração de um pensamento estratégico, coerente com as opções democráticas e europeias que o país sufragara nas primeiras eleições livres de 1975 e reafirmara subsequentemente, na convicção que a política internacional não é independente das opções de política interna, por muito que isso custe ao determinismo geopolítico. Recuperar o arquivo do IEEI é recuperar a memória de três décadas de investigação e debate sobre política internacional.

Se elaborado cronologicamente, este arquivo começaria com o texto da conferência de Raymond Aron, em 1982, organizada pelo recém-criado IEEI na Fundação Calouste Gulbenkian, sobre as dificuldades da superpotência soviética e a crescente complexidade da guerra fria; continuaria com o texto de uma conferência do General Firmino Miguel e intervenções no primeiro seminário do IEEI sobre as relações luso-espanholas, ambos focalizados na necessidade de acabar com a política de alheamento ibérico, e viriam depois muitas outras reflexões sobre esse mesmo tema. Nascido em plena Guerra Fria, nos anos Brejnev e Reagan, em que o risco de uma guerra nuclear era real, o IEEI procurou analisar, com espirito crítico, as consequências da bipolaridade para Portugal, principalmente a inserção portuguesa na NATO e os acordos de defesa luso-americanos à volta da base das Lajes. No fim da Guerra Fria teríamos uma notável coleção de textos da Conferência Internacional de Lisboa (CIL), que teve lugar no dia exato da queda do Muro de Berlim, como também a CIL de 1993, dedicada ao renascer do nacionalismo na Europa, em que participaram Edgar Morin, Jacques Rupnik, Eduardo Lourenço, Mário Soares, e muitos outros. Era então já visível que a queda do Muro de Berlim não significava o fim da história, que havia uma alternativa à democracia: o nacionalismo identitário, como as guerras nos Balcãs o demonstraram tragicamente.
O arquivo do IEEI é dominado por quatro grandes temas: a integração europeia, com o debate entre europeístas e atlantistas ideológicos; os estudos sobre o Magrebe e o Médio Oriente, resultantes, em particular, do trabalho desenvolvido no quadro das redes euro-mediterrânicas; os estudos da África Lusófona, região analisada no primeiro livro publicada pelo IEEI, África num Mundo Multipolar; as relações com o Brasil, tanto em termos bilaterais como bi regionais, no quadro União Europeia-Mercosul, resultantes, nomeadamente, do Fórum Euro-Latino-Americano.

O IEEI participou em todos os grandes debates sobre política internacional e de segurança dessa época. Muitos desses debates mantêm toda a sua atualidade. Desde logo o debate sobre a Europa aberta, capaz de democratizar a sua governação, de valorizar a sua diversidade e de se dotar de uma política externa e de segurança compatível com a defesa dos direitos humanos e do estado de direito; também o do novo multilateralismo, capaz de tirar partido da crescente multipolarização do mundo, e do regionalismo; no debate sobre a hospitalidade, na recusa das teorias dos choques das civilizações, na crítica da islamofobia e das consequências trágicas da guerra contra o terror de George W. Bush, na contestação à guerra do Iraque e ao envolvimento de Portugal em tal aventura. Poderíamos resumir afirmando que a trave mestra de toda esta atividade do IEEI foi a defesa de um pensamento em política internacional e doméstica antinacionalista ou, se quisermos, pós- nacionalista, ancorado numa análise crítica do anti espanholismo, do antieuropeísmo, do pró-americanismo primário, de uma visão da lusofonia nostálgica do império. É difícil quantificar o acervo intelectual do IEEI, espalhado por duas revistas, com 27 números da Estratégia – Revista de Estudos Internacionais (subtítulo proposto pelo Embaixador José Calvet de Magalhães) e 65 edições de O Mundo em Português, por várias coleções, como os Lumiar papers, vencedores de 3 prémios Aristides Sousa Mendes, e numerosos livros e relatórios de projetos. Se a estas publicações juntarmos as contribuições de investigadores do IEEI para numerosas publicações internacionais e os numerosíssimos textos de conferências não publicados, nomeadamente das 26 edições da Conferência Internacional de Lisboa, dos congressos sobre Portugal e o Futuro da Europa, teremos uma ideia das centenas de milhares de páginas que tinha o arquivo do IEEI.

Todo este acervo estava, até agora, praticamente inacessível. É este património intelectual que o Centro de Documentação IEEI pretende recuperar e colocar à disposição dos investigadores portugueses e estrangeiros. Com a disponibilização deste património fazemos também justiça à memória dos que para ele contribuíram, nomeadamente dos que já não estão connosco: Maria do Rosário de Moraes Vaz, cofundadora do IEEI, Embaixador José Calvet de Magalhães, muitos anos presidente do seu Conselho Geral, Armando Antunes de Castro, João Soares, Embaixador António de Siqueira Freire, Almirante Fernando Coelho da Fonseca, Jorge Borges de Macedo, que foram membros do Conselho Diretivo do IEEI. Mas também de todos os que, durante muitos anos, participaram na aventura intelectual que foi o IEEI, universitários, políticos, diplomatas e numerosos jovens investigadores, todos comprometidos com a necessidade de fazer triunfar a razão também na política internacional e de segurança. Este projeto não teria sido possível sem a generosidade do Centro Nacional de Cultura, que aceitou albergar o arquivo do IEEI, dando continuidade ao seu papel único na preservação do património português. 

Álvaro Vasconcelos

Cofundador e Diretor do IEEI (1980 – 2007)
Porto, 5 de dezembro de 2015



Um arquivo necessário…

O Centro Nacional de Cultura assume com muito gosto a tarefa da divulgação do importante arquivo de documentos e estudos levados a cabo pelo Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI).

Trata-se de um notável conjunto no qual se encontram contributos da maior valia e dos melhores especialistas no âmbito do pensamento geoestratégico, correspondendo a um período muito rico – desde os passos decisivos da afirmação da União Europeia ao desenvolvimento do Forum Euro-Latino-Americano, passando pelos candentes problemas do final da guerra fria, da ligação com o Mercosul, da cooperação internacional, em especial do Mediterrâneo.

Cabe-me recordar entre tantos que tiveram um papel crucial neste trabalho a memória dos Embaixadores Calvet de Magalhães e Siqueira Freire e de Maria do Rosário de Moraes Vaz.

Um agradecimento muito especial a Álvaro de Vasconcelos, verdadeira alma da iniciativa que continuará a desempenhar um papel fundamental na preservação e desenvolvimento deste precioso arquivo, com a colaboração sempre competente e generosa da Maria João Seabra.

Num tempo de incertezas, mas de esperanças este arquivo desempenhará decerto para todos, em especial para os jovens estudantes e investigadores, um papel crucial.

Guilherme d’Oliveira Martins

Centro Nacional de Cultura, Dezembro 2015