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Teatro

Herculano: Sugestões para uma comemoração histórica

Uma intervenção didática faz-me novamente aludir à evocação do Auto assinalado e descrito por Alexandre Herculano (1810-1877) nas “Lendas e Narrativas”, realizado em 1401 no Mosteiro da Batalha para sagração do próprio edifício, hoje monumento histórico que abarca para lá da própria edificação.


Estava-se efetivamente a um século da inovação vicentina, mas é bem certo que o espetáculo teatral já existia entre nós. E nesse sentido, vale a pena recordar a descrição de Herculano, e o rigor que a mesma envolve.

O texto surge pois nas “Lendas e Narrativas” e tipifica uma abordagem de espaços e espetáculos que efetivamente documenta as origens pré-vicentinas do teatro português.

E então recordemos o que escreveu Herculano:

“Pela mesma porta da sacristia saíram logo as primeiras figuras do auto, as quais, descendo ao longo da nave, subiram ao cadafalso pelas pranchas de que fizemos menção.

Estas primeiras figuras eram seis, formando uma espécie de prólogo do auto. Três vinham adiante representando a Fé, a Esperança e a Caridade; após elas vinham a Idolatria, o Diabo e a Soberba; todas com as suas insígnias mui expressivas e a ponto; mas o que enleava os olhos da grande multidão de espetadores era o Diabo, vestido de pele de cabra, com um rabo que lhe arrastava pelo tablado e seu forcado na mão mui vistoso e bem posto”...

E prossegue a descrição do teatro-espetáculo medieval, com referências muito concretas aos textos, à marcação, e de forma implícita, à própria expressão de espetáculo em si. Isto, não obstante Herculano afirmar em 1837, na revista “Panorama” que não havia nenhum vestígio sensível e documentado do espetáculo “primitivo” em Portugal:

“Em Portugal é provável começassem as representações cénicas pelo mesmo tempo em que principiaram em Espanha: mas nenhum vestígio resta deste teatro primitivo”...

E no entanto, nas “Lendas e Narrativas”, Herculano transcreve cenas e falas de um Auto realizado em 1401 para assinalar a sagração do Mosteiro da Batalha. É rigorosamente um século antes do vicentino “Auto da Visitação”, e no entanto a descrição cénica e a transcrição documentam expressões de verdadeiro teatro.

Já vimos acima um extrato. Mas refira-se agora a fala de Baltazar perante o Presépio:

“Santo filho de/Divinal!/ Salvador da triste raça/humana./ Que desceste lá do assento/ Celestial/ Vós da glória imperador/ Eternal/Aceitai este ofertório/Não real,/Si. /É quanto posso:/ Não há al”...

Exemplo flagrante de texto e de espetáculo medieval!.

E pode-se acrescentar que Herculano não primou pela vaga e dispersa dramaturgia que escreveu.

Foram apenas três textos: “Tinteiro Não é Caçarola” (1938) é uma comédia “imitada” do teatro francês da época. “O Fronteiro de África ou Três Noites Aziagas” (1839) é mais sólido na sua evocação histórica, mas também não merece hoje grande destaque.  E “Os Infantes de Ceuta” (1844) constitui um mero libreto para comédia musicada.

Nada disto se compara com a obra geral de Alexandre Herculano!...

Duarte Ivo Cruz

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