Cultura
UM TRIO QUE SE TRANSFORMA EM QUARTETO
Um trio que se transformaem quarteto
O português RED Trio convida o reputado saxofonista inglês John Butcher para concertos em Lisboa, Porto, Portalegre e Oeiras.
Como se comprova no recente disco homónimo, uma fresquinha edição Clean Feed, a música do RED Trio desafia o ouvinte. Desafia ideias pré-estabelecidas e convenções. Parte de uma linguagem jazz, mas vai muito para além dela. Assenta na improvisação, mas é mais do que composição no momento. Incorpora elementos da música contemporânea, desafia conceitos de vanguarda. Não se fica por um papel de investigação, mas assume também uma faceta experimental. É isto tudo, mas não só.
Façamos as apresentações. Na bateria está Gabriel Ferrandini, baterista extraordinário, um jovem talento em ascensão que tem somado colaborações (tocou com nomes grandes como Rob Mazurek ou Alberto Pinton) e faz parte do Nobuyasu Furuya Trio e do Rodrigo Amado Motion Trio. No contrabaixo fica Hernâni Faustino, um criativo instrumentista, interveniente em múltiplos projectos, também parceiro de Ferrandini no trio de Nobuyasu Furuya e noutras aventuras. No piano, Rodrigo Pinheiro, pianista fora do comum, que tem colaborado com a elite da improvisação nacional.
A música do RED Trio é assumidamente, e antes de mais, herdeira do jazz. As suas premissas de base são a improvisação e a comunicação entre os instrumentos, elementos fulcrais na tradição jazzística. Uma ligação à tradição que vai sendo solidificada à medida que as referências vão surgindo de forma mais evidente na sua música: na longínqua evocação de Thelonious Monk, um dos primeiros inovadores, ainda que este surja em reminiscências de forma desconexa; em Cecil Taylor, chamada inevitável, na sua imprevisibilidade, no seu radicalismo; no modernismo de Paul Bley, ainda que aqui surja noutras formas, ainda que aqui a beleza esteja contaminada; na reinvenção pós-moderna de Alexander Von Schlippenbach, ainda que menos formal. Indo ao encontro da ideia de inovação que guiou esses ícones, este trio de jazz do século XXI vive a música de outras formas, explora no limite, trabalha as texturas, explora as possibilidades dos instrumentos sem restrições.
O RED Trio é profundamente democrático: cada instrumento trabalha em função do grupo, não se perde em individualismos, o piano não vale mais que a bateria ou o contrabaixo, cada um sabe encontrar o seu espaço sem precisar de forçar. Este trio subverte também as noções musicais: a ideia de melodia desaparece, entra o conceito de energia. O grego Pandelis Karayorgis, um dos mais interessantes pianistas das últimas décadas (parceiro de Ken Vandermark, por exemplo), elogia a música do trio, sintetizando-a em três palavras: "Textura, pulsação e energia."
Música imprevisível
Em quatro concertos, o RED Trio vai ter a companhia do saxofonista inglês John Butcher, um histórico da improvisação. É um saxofonista fora de série, o mais directo herdeiro de Evan Parker. Mantém, tal como Parker, um pé na tradição (Albert Ayler), ao mesmo tempo que não teme riscos, enquanto explora sem limites, enquanto trabalha uma música sem rede, que reinventa a utilização tradicional do instrumento. Em conjunto com o trio português, Butcher irá explorar alguns pontos de contacto com o free jazz e a livre improvisação, irá certamente desenvolver uma comunicação na procura de uma linguagem comum, de uma constante partilha que, tal como no trio, será pontuada pela utilização de técnicas extensivas. O trio agora transformado em quarteto nunca vai facilitar, não se vai deixar cair em estruturas pré-existentes, vai promover um diálogo de resultados incalculáveis.
Esta música imprevisível vai ser apresentada ao vivo em quatro ocasiões: hoje em Lisboa (Culturgest), amanhã, dia 8, em Portalegre (no Centro de Artes do Espectáculo), no dia 9 no Porto (Serralves) e no dia 10 em Oeiras (Auditório Ruy de Carvalho). Em qualquer um dos concertos a música será intensamente enérgica, tensa e impossível de antecipar. E, poderemos também afirmar sem receio, cada concerto será uma experiência irrepetível.
Texto: Nuno Catarino
in Jornal Público | 07 de Abril de 2010
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