"É de Cultura como instrumento para a felicidade, como arma para o civismo, como via para o entendimento dos povos que vos quero falar"

A Vida dos Livros

"Glória – Biografia de J.C. Vieira de Castro" de Vasco Pulido Valente

Esta obra tornou-se um livro de referência na historiografia portuguesa, num importante conjunto de outras obras de um autor que marcou indelevelmente a literatura, o comentário e a ciência da História.

(Gótica, 2001)


A VIDA DOS LIVROS, por Guilherme d'Oliveira Martins

De 24 de fevereiro a 1 de março de 2020 

UM LIVRO DE HISTÓRIA
Significativamente, o autor começa por deixar claro: “Este é um livro de história. Não é um livro de história a fingir de romance, nem um romance ‘documental’. Convém começar por dizer isto para que não haja confusões. As variantes do positivismo que ainda hoje dominam a disciplina foram reduzindo ao geral e abstrato a investigação sobre o passado”. Em lugar do desinteresse do indivíduo e de um mundo assético, de onde desapareciam a irracionalidade e a imaterialidade da vida, o historiador desta obra apresenta-se a descrever, a partir de uma rigorosa análise dos documentos e dos acontecimentos, a vida tal como a conhecemos. Vasco Pulido Valente procurou na biografia solução para a tal dificuldade que afastava a história e a vida. Por isso, abalançou-se na análise de figuras como o Duque de Palmela, Costa Cabral, Marcelo Caetano e Paiva Couceiro, até que se deparou com um caso muito especial: o de José Cardoso Vieira de Castro (1837-1872). Trata-se de um dirigente académico com alguma importância, um jornalista menor, um escritor sem talento, um político sem poder, e ainda por cima, um criminoso e um degredado. Todos estes elementos permitiram a consideração de alguém que, pelas promessas que representou, pelos meios que frequentou, pela personalidade que tinha, nos revelou um período social, cultural e político extremamente rico, que permite ao leitor adentrar-se no século XIX português tal como foi. E assim, a partir de uma figura dramaticamente célebre, podemos encontrar uma historiografia capaz de entender a complexidade da vida, desde a singularidade de cada um à encruzilhada das relações humanas. “Vieira de Castro não queria perder a vida num remoto canto da província. Queria conquistar Lisboa e o país. Queria glória”. A intenção do historiador foi de ‘mostrar’ como agiam, sentiam e pensavam os portugueses letrados de meados dos século XIX e não de os meter nos seus casulos…” E assim seguimos, passo a passo, as personagens e os acontecimentos, os encontros e os desencontros.

UMA AMIZADE FUNDAMENTAL
No caso de Vieira de Castro deparamos com uma ambição que tem a ver com uma carreira política. No ano de 1860, algo de fundamental ocorrera. Camilo Castelo Branco e J.C. Vieira de Castro criaram amizade especial, quando o romancista se refugiou na Casa do Ermo, solar ancestral da família do segundo, por aquele se encontrar em fuga devido aos amores com Ana Plácido, casada com Pinheiro Alves… E lemos “As Memórias do Cárcere”, “no ‘Ermo’ me esperava com os braços abertos e o coração no sorriso José Cardoso Vieira de Castro. Falseei a verdade. Vieira de Castro esperava-me a dormir naquela madrugada dele, que era meio-dia no meu relógio”. Depois, Vieira de Castro escreve a biografia de Camilo, que merece elogios de circunstância de Júlio Dinis. E volta a Coimbra, com a intenção de terminar o curso, enguiçado pelos sucessos do líder estudantil. Mas quando regressa, depara-se com o movimento encabeçado por Antero de Quental, notando-se uma contradição evidente na relação entre ambos. Vieira de Castro pensa na carreira política. Em 1864, o sucesso em Coimbra determina, de facto, a sua candidatura e eleição em 1864 pelo partido Regenerador num sufrágio suplementar para o círculo de Fafe. “Acabara enfim o exílio d’O Ermo, daquela província que o ‘sufocava’. Vieira de Castro podia vir para Lisboa em busca de uma glória que não se comparava aos triunfos de Coimbra, nem às pequenas vitórias de Fafe, nem sequer à meia celebridade que tinha no Porto. No Parlamento e com a retaguarda assegurada por Ferreira de Melo, a sua presa, a sua audiência era o país inteiro”. Vai morar para Santa Catarina, a dez minutos de S. Bento. “As janelas dominavam o Aterro e o Tejo” do Montijo até ao mar: um esplêndido “panorama”. “Como qualquer ‘elegante’ estabeleceu relações de ‘boa sociedade’”. Em abril de 1866 participa num jantar oferecido por Bulhão Pato, onde estavam o visconde de Seabra, Rodrigues Sampaio, o barão da Trovisqueira (a quem Vieira de Castro devia muitíssimo dinheiro), Rebelo da Silva, Francisco Luís Gomes, Eduardo Cabral, Tomás de Carvalho (…), Luís Augusto Palmeirim, Teixeira de Vasconcelos e Ramalho Ortigão”…

UM ORADOR ESQUECIDO
Na Câmara dos Deputados evidenciar-se-á a sua verve tribunícia. Depressa o orador ganha notoriedade, que ultrapassa fronteiras e chega ao Brasil. O seu modelo é o grande José Estevão, o mais célebre dos oradores parlamentares. É recebido com honras de triunfador no Brasil, e aí se casa no Rio de Janeiro (em fevereiro de 1867) com Claudina Adelaide Gonçalves Guimarães, filha do comendador António Gonçalves Guimarães, natural de Fafe e um dos diretores do Banco Rural e Hipotecário do Brasil. De regresso a Portugal, a jovem não parece conformada com uma vida provinciana, prefere uma casa na Rua das Flores, onde o casal se instala, recebendo uma tertúlia literária, onde estão Ramalho Ortigão, António Rodrigues Sampaio, e José Maria Almeida Garrett, sobrinho do célebre Garrett. Em 7 de maio de 1870, sábado, Vieira de Castro surpreende a jovem mulher a escrever uma carta a José Maria Almeida Garrett e tudo se precipita e se desmorona. Iludindo uma solução pacífica, para a não deixar fugir, Vieira de Castro mata a mulher, desafiando sem sucesso o jovem literato para um duelo, que este recusa. “Quando se entregou à polícia, a 10 de maio, Vieira de Castro não mediu o horror que o seu crime ia inspirar na ‘opinião pública’. Não acreditava que a sociedade que o aplaudira como um ‘ídolo’, ‘repentinamente o repelisse como um monstro’. Estava, aliás, seguro de que seria absolvido: era vítima, não era o culpado. A Camilo escreveu com toda a frieza: ‘Fizeste bem, ou antes, não fizeste mal em dizer que eu não tenho remorsos nenhuns’. Naqueles primeiros dias só se afligiu com a ruína da sua carreira política. A morte de Claudina não passava de uma desgraça que o privara de um grande e decisivo triunfo”… Em 1871 partiu para Luanda para cumprir a pena de degredo a que fora condenado, de 15 anos. A morte condená-lo-ia apenas um ano depois. O silêncio foi a regra. Poucos o recordaram. Camilo foi exceção: falou do “atribulado mártir” e da “divina Providência que lhe comutara em agonia de instantes o suplício de 15 anos”…     

Guilherme d'Oliveira Martins
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