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Eugénio Lisboa lança cânone para estimular a ler e critica "snobismo provinciano"

O ensaísta, escritor e crítico literário Eugénio Lisboa lança, aos 90 anos, um livro que propõe obras e autores capazes de transformar leitores relutantes em viciados na leitura, e critica o “snobismo provinciano” que afasta as pessoas dos livros.

Foto: Pixnio


Com o ensaio “Vamos Ler! Um cânone para o leitor relutante”, que chega agora às livrarias, editado pela Guerra & Paz, Eugénio Lisboa surge “transgressor, provocador e tão apaixonado pela literatura e pelos livros como no primeiro dia”, descreve a editora.

Trata-se de uma obra que não só é um convite aos leitores pouco frequentes, ou novos leitores, a abrirem portas à leitura de 35 obras de 50 autores portugueses com que vale a pena começar a ler, mas também um cânone para derrubar “o culto, de um snobismo provinciano, da ‘dificuldade’, do ‘aborrecido’, do ‘opaco’, da ‘circunvolução’, do ‘arrebicado’, do ‘complicado’, que confundem com o ‘complexo’” que impera na sociedade portuguesa”.

A ideia surgiu no decurso da publicação do seu livro “Poemas em tempos de peste”, com um desafio do editor Manuel Fonseca para que escrevesse um pequeno livro que fosse um convite à leitura, neste período de confinamento “bastante sufocante”, contou o autor, em entrevista à Lusa.

Crente de que “só precisam desse estímulo as pessoas ainda não afetadas pelo ‘vício impune’ da leitura”, foi para elas que congeminou o livro, para o qual teve o “cuidado de escolher obras que fossem, ao mesmo tempo, de qualidade literária indiscutível e não afugentassem o leitor”, ordenadas, “pedagogicamente”, desde a mais recente até à mais antiga.

No fundo, é um livro que “tem o objetivo saudável de servir de ‘isca’ para as pessoas com poucos hábitos de leitura: transformá-las, de leitores relutantes, em viciados na leitura, eis o que se pretende”, explicou.

“Pascal dizia que devemos fazer um bom uso das doenças: aproveitemos, pois, a pandemia, para melhorarmos os nossos hábitos, conquistando um prazer novo”, assinalou o escritor.

Dado o pouco espaço de que dispunha, Eugénio Lisboa decidiu incluir apenas autores portugueses, mas ao longo da introdução do livro, lança “várias iscas para grandes autores estrangeiros”, pois acredita que “uma vez ganho o gosto da leitura, o leitor não deixará de se abrir para outras geografias literárias”.

A primeira parte do livro é composta por uma introdução, na qual o autor tenta mostrar como o livro “pode ser de utilidade e de sedução permanente” e como certos livros se tornam “verdadeiras paixões”.

Para tal, polvilhou a introdução “de várias histórias bem capitosas, alusivas a grandes leitores”.

À introdução segue-se a lista de autores selecionados - entre os quais José Régio, Ferreira de Castro, Fernando Pessoa, Garrett, Camões e António Nobre – e obras, com notas de enquadramento biobibliográfico e algumas palavras de avaliação dos autores e das obras.

Mas este livro encerra também críticas ao que chama de “snobismo provinciano”, uma tendência para, em certo meio literário, enaltecer o complexo.

“O nosso meio literário, ao contrário do que costuma acontecer com o meio científico, é um pouco artificial, inautêntico, feito de aparências e poses que sempre me pareceram um bocadinho cómicas e pretensiosas. Os bons cientistas acham que quando um pensamento se não pode formular de maneira muito simples, é porque, provavelmente, não se está a ir por bom caminho, mas não poucos literatos privilegiam o tortuoso e o opaco, como sinais de profundidade: são gostos, mas, a meu ver, muito duvidosos”, afirmou o ensaísta.

Por outro lado, esses mesmos autores “não se atrevem a dizer que não leram ou não gostaram ou não tiveram pachorra para ler obras muito reverenciadas” e “contam-se pelos dedos de uma mão (e sobram dedos) os escritores portugueses capazes de confessar que acham Joyce uma valentíssima estopada”, acrescentou.

“Típico provincianismo, a fingir de grande sofisticação”, considera Eugénio Lisboa, exemplificando que “Lope de Vega admitiu que considerava Dante uma chatice, Malraux perguntou a Valéry se conhecia alguma coisa mais idiota do que a ‘Ilíada’ e Valéry respondeu-lhe, com admirável desenvoltura, que sim, que conhecia algo de pior: a ‘Chanson de Roland’” (poema épico do século XI).

A grande questão, para Eugénio Lisboa, é que “os snobs provincianos são incapazes de seduzir seja quem for para o prazer da leitura”, pelo que este livro procura “descomplexar o leitor e treiná-lo a ser sincero”.

“É por isso que não me importo nada de iniciar a minha lista com o romance de Miguel de Sousa Tavares [‘Equador’], que é um livro empolgante e uma obra muito apropriada para servir de isca para o leitor relutante, embora os snobs e os ‘inovadores’, sem muito bem saberem porquê, torçam o nariz ao livro de Sousa Tavares. O prejuízo é deles”.

Questionado sobre se os baixos índices de leitura em Portugal podem ter raízes nessa tendência para fechar a literatura na esfera de uma elite, o crítico literário acredita mais que tenham que ver com vários fatores, desde logo a perda de oportunidade de ganhar esse hábito ainda na infância, sobretudo em casas onde esse hábito já não existe.

“Os pais, antes de darem computadores aos filhos, devem dar-lhes livros. Hoje, com os avanços tecnológicos que se conhecem, as crianças, se lhes não incutirem muito cedo o gosto da leitura, são levadas, demasiado prematuramente, a entreterem-se com ‘gadgets’ que os desviam, para sempre, da leitura e, sobretudo, da capacidade de uma leitura concentrada e continuada, sem andarem a ‘saltitar’ de um lado para o outro”, destaca o escritor.

Por isso mesmo, Eugénio Lisboa termina este seu novo livro com “uma citação insuspeita de Bill Gates, que dizia: ‘Os meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever, inclusivamente, a sua própria história’”.

Para além da falta de hábitos precoces de leitura, Eugénio Lisboa aponta também o dedo às próprias publicações dedicadas à literatura, “certos jornais literários” que, “pela linguagem que usam para falar de livros – aquilo a que podemos chamar o ‘literatês’ - pretensiosa e deliberadamente opaca, não ajudam muito a seduzir o leitor pouco habituado”.

“Se os cientistas falassem assim, seria uma verdadeira balbúrdia. Jean Rostand, Sir Peter Medawar e outros cientistas que aqui não cito são modelos de claridade de escrita que, nem por isso, é menos profunda. Enquanto o cientista visa a formulação o mais simples possível, o literato não resiste à tentação do rebuscado e do contorcido. E, não raro, do vagamente sibilino e ‘misterioso’”, criticou.

Eugénio Lisboa, para quem a leitura é “um prazer, uma instrução e uma terapêutica”, deve a origem da sua paixão pelos livros a autores como Júlio Dinis, Voltaire, Stendhal, Mark Twain, Roger Martin du Gard, Hemingway ou Steinbeck entre muitos outros, e agradece também “à extinta PIDE, com a sua boçal e brutal vigilância, ter aguçado e apimentado [nele] o gosto pelas leituras proibidas”.


por Lusa e Renascença | 8 de março de 2021
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Rádio Renascença

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