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Espólio literário e documental de Maria Gabriela Llansol doado à Biblioteca Nacional
A Associação de Estudos Llansolianos manteve à sua guarda todo o espólio literário e documental da escritora, cuja obra foi agora recordada por João Barrento, Maria Etelvina Santos e Hélia Correia.
O espólio de Maria Gabriela Llansol foi doado na passada segunda-feira à Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), em Lisboa, num gesto que pretende prolongar a presença da escritora no mundo e simultaneamente assinalar o aniversário do seu nascimento.
A informação foi divulgada pela Associação de Estudos Llansolianos, do Espaço Llansol, que manteve à sua guarda todo o espólio literário e documental da autora, desde a sua morte, em 2008, e que continuará a disponibilizá-lo para consulta, em formato digital.
A cerimónia de doação na BNP contou com intervenções evocativas, de João Barrento e Maria Etelvina Santos, ambos estudiosos da obra de Maria Gabriela Llansol e responsáveis pelo espaço Llansol, bem como da escritora Hélia Correia.
Barrento foi o primeiro a tomar a palavra, assinalando o simbolismo da data (24 de novembro), dia em que Maria Gabriela Llansol faria 94 anos, como um momento apropriado para a doação do seu espólio à BNP, "o que lhe garantirá a duração para além do tempo, não para a imortalidade, mas para uma forma particular de eternidade".
O crítico e ensaísta recordou duas notas deixadas pela escritora em 2006, no hospital: numa, confia o destino do seu património a João Barrento e Maria Etelvina Santos, com o apoio de Hélia Correia; e noutra, exprime o seu sentimento de ternura por esse património.
Nesse sentido, Barrento descreveu o trabalho realizado pelo grupo que recebeu o espólio como tendo sido de "afeto e dedicação" de modo a preservá-lo numa "casa viva, e não num arquivo morto", seguindo o desejo da autora.
Referindo-se à atividade do Grupo de Estudos Llansolianos (2001-2006), que aprofundou o conhecimento da obra, através de encontros internacionais e discussões regulares, criando uma ligação íntima com a autora, Barrento assinalou a origem da "comunidade que veio", fundamental para o trabalho posterior sobre o legado.
No final, relatou a visão simbólica que teve quando regressou, dois dias após a morte de Llansol, à casa desta em Sintra, que imaginou habitada pelas figuras da sua obra num "festim de luto e alegria", de despedida e celebração, expressão da vitalidade do seu texto.
Barrento concluiu a sua intervenção confessando ter alcançado melhor nesse momento a compreensão do sentido da frase de Spinoza que a autora valorizava: "Sentimos e experimentamos que somos eternos".
Impossibilitada de estar presente na cerimónia, Hélia Correia enviou uma mensagem num postal, na qual se dirige simbolicamente a Llansol, afirmando que o seu texto foi confiado à BNP e passa agora nesta a estar protegido, onde continuará a irradiar e a "transtornar" quem o ler.
Hélia Correia, que termina assinando como "Emily", evoca ainda a força renovadora da obra, que renasce apesar das adversidades, e recorda os lugares associados a Llansol, onde a autora parece continuar à espera dos que a procuram, desde o banco no Parque de Sintra até ao "bairro original", passando pela solidão de Herbais.
Na sua intervenção, Maria Etelvina Santos partiu da evocação do pedido de La Boétie a Montaigne - "Dá-me um lugar" - para o relacionar com a experiência que teve em 2007 com Llansol, quando esta lhe pediu para abrir os armários da casa de Sintra e organizar os seus cadernos de escrita, iniciando a leitura e preservação do material.
Esse gesto foi entendido por Maria Etelvina Santos como dar um lugar físico ao texto, preservando a memória e a vida da obra.
A especialista na obra de Llansol recordou ainda diálogos e instruções da autora que a inspiraram a cumprir o seu papel sem medo e com responsabilidade, mantendo o vínculo com o texto e com os leitores futuros.
Por fim, evocou passagens do livro "Amigo e Amiga. Curso de Silêncio de 2004", mostrando como Llansol estabelecia diálogo com os ausentes, "apaziguando o processo do seu luto", e concluiu desejando que a BNP seja, a partir de agora, um espaço que permita essa mesma continuidade e serenidade.
Llansol escreveu mais de 26 obras, que desafiam géneros literários - entre contos, diários, ensaios e textos "inclassificáveis" - sendo várias vezes comparada com a escritora brasileira Clarice Lispector, por especialistas literários que traçam paralelismos entre os estilos das duas autoras.
Nascida em 24 de novembro de 1931, em Lisboa, a escritora formou-se em Direito, que nunca exerceu, e em Ciências Pedagógicas, tendo trabalhado em áreas relacionadas com problemas educacionais.
Entre 1965 e 1984, viveu na Bélgica, onde deu início, com "O Livro das Comunidades" (1977), a uma trilogia ("Geografia de Rebeldes"), com figuras filosóficas, poéticas e históricas que povoam o seu universo literário.
Quando regressou a Portugal foi viver para Sintra, onde permaneceu até morrer, em março de 2008, com um cancro, aos 76 anos.
Fonte: LUSA | 25 de novembro de 2025

