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Eduardo Arroyo: Uma Biografia Pintada
No ano em que celebra 25 anos de uma atividade ímpar, o Centro Cultural de Cascais apresenta-nos o trabalho de um dos expoentes da arte espanhola do século XX: Eduardo Arroyo.

6 Jun a 7 Set 2025
O pintor, que também foi escultor, cenógrafo, ilustrador e jornalista, tudo arriscou para se dedicar a viver uma vida que, em tantas ocasiões, se mostrou radical, transpondo-a para a pintura, com intensas tonalidades autobiográficas.
Contra o regime, tal como outros nomes espanhóis e portugueses, Eduardo Arroyo rumou a uma Paris fervilhante de ideias e de movimentos artísticos dos anos 50 e 60. Reconhecido pela arte figurativa narrativa, Arroyo inspirava-se na política vigente na Europa, desde as ditaduras portuguesa e espanhola até ao regime nazi, pintando sob uma elevada sátira e carga políticas, chegando a ser proibido de entrar no seu país. Hoje, grandes museus de Madrid, Paris e Nova Iorque, entre outros, exibem a sua obra em grandes coleções.
Quando falamos de Eduardo Arroyo (Madrid, 1937–2018), falamos de uma das figuras-chave da arte mais recente em Espanha. A sua obra insere-se num período que começa no final dos anos cinquenta e termina com a sua morte, há apenas sete anos. Nesta exposição estamos perante mais de meio século de criações que refletem a vida do artista, que definia assim a sua vocação: “Na realidade, a pintura é um processo autobiográfico. Estamos constantemente a pintar a nossa vida. É o resultado da nossa evolução. A minha pintura é muito autobiográfica, com curiosidades, digamos, exteriores, que muitas vezes não aparecem no quadro, que são observações, olhares produzidos pela quotidianidade em certo sentido — a leitura de um jornal, a leitura de um livro, o passeio pela cidade... Não sei, indubitavelmente há uma relação muito estreita com a vida de cada um. É uma biografia pintada.”
No seu caso, essa biografia pintada é o fio condutor de mais de cinquenta anos de criação incansável, onde demonstra o seu carácter multifacetado. Esta exposição aprofunda as temáticas que mais o preocupavam: sociais e políticas no início da sua carreira, período que coincidiu com o exílio em Paris devido às suas denúncias antifranquistas, mas também a literatura, o cinema, a história e a música. Em todas elas subjaz uma característica comum: a ironia.
A vivacidade das suas cores e a predileção pelos grandes formatos poderiam levar-nos a pensar que estamos perante um artista pop, mas nada estaria mais longe da verdade. Arroyo rejeitou esta classificação e aprofundou o tema numa entrevista que concedeu um ano antes da sua morte: “A minha geração viveu convulsões políticas que mudaram as nossas vidas e é aí que me inscrevo. Participei em lutas para impor uma forma de pensar e de pintar, uma forma nossa. Tinha vinte e dois anos e combatia a escola de Paris, abstrata, ‘uma autêntica ditadura’. Tudo era abstrato e nós lutávamos por outro critério, que mais tarde ficou conhecido como ‘nova figuração’.
Apareceu a pop art americana, mas não tínhamos nada a ver com eles. E, claramente, eu não tenho nada a ver com aquilo a que chamam pop espanhol, que não sei bem o que é.”
A figuracão é, portanto, o seu selo de identidade, a sua escolha numa época em que a abstração é o estilo dominante. Arroyo serve-se da sua iconografia particular (pugilistas, limpadores de chaminés, toureiros, flamencas ou as moscas) para mergulhar o espectador no seu mundo criativo. O gosto pelos títulos elaborados e com referência à literatura e à atualidade nasce do sonho de ser escritor, paixão que acabou por canalizar para as artes plásticas. Contudo, a literatura nunca o abandonou; escreveu vários livros e produziu obras como La ballade de la geôle de Reading ou El retrato de Dorian Gray , um claro tributo a Oscar Wilde.
Como já mencionámos, a descontextualização dos estereótipos da cultura espanhola é um elemento de importância vital na obra de Arroyo. Elementos folclóricos, como a garrafa de Tio Pepe ou o chapéu cordovês, ganham um novo sentido. O mesmo acontece com a figura do limpador de chaminés, que é a sua maneira particular e irónica de desmistificar o ofício de pintor — uma sátira que se torna mais evidente em Peintres aveugles ou El pintor orgulloso de sí mismo.
Este conjunto de características confere à obra de Arroyo uma autenticidade que transcende as fronteiras da pintura. É um artista dotado de uma linguagem própria, através da qual cria uma narrativa única, como evidenciam as mais de cinquenta peças que compõem esta exposição. Eduardo Arroyo era um pensador incansável, crítico e voraz, sempre atento a tudo o que o rodeava, ávido por absorver a cultura em todas as suas expressões, mesmo as coisas mundanas e as trivialidades do quotidiano. Como ele próprio afirmou: “A minha pátria é a pintura”.
Marisa Oropesa
Comissária da exposição
Eduardo Arroyo Rodríguez (Madrid, Espanha, 1937-2018) foi um prolífico pintor, artista gráfico, autor e cenógrafo espanhol, considerado um dos maiores expoentes do realismo politicamente comprometido.
Formou-se como jornalista em 1958, na Escola de Jornalismo de Madrid. Depois de terminar os estudos e devido ao seu profundo repúdio pela Espanha franquista, aos vinte e um anos emigrou para Paris, onde começou a trabalhar como escritor e jornalista, mas depressa decidiu dedicar-se à pintura.
Em Paris, travou amizade com membros da jovem cena artística da cidade, especialmente Gilles Aillaud, com quem colaborou mais tarde na criação de algumas cenografias, como “Vivre et laisser mourir ou la fin tragique de Marcel Duchamp”, uma obra em oito partes destinada a questionar a arte francesa contemporânea.
Em 1964, foi catapultado para a fama com a sua primeira exposição importante. Mais tarde, foi protagonista da maior exposição de arte espanhola posterior ao franquismo, na Bienal de Veneza de 1976.
A obra de Arroyo pode dividir-se em duas fases claramente marcadas pela morte de Francisco Franco em 1975: durante o exílio (1958-1976) e após o exílio (1976-1998). Opondo-se de forma clara e violenta à ditadura, desafia o clima político espanhol e posiciona estrategicamente o seu trabalho numa postura simultaneamente crítica e irónica.
Desde a sua participação no Salon de la Jeune Peinture em 1960, a obra de Eduardo Arroyo tem sido exibida em inúmeras exposições por todo o mundo. Representou Espanha, juntamente com o escultor Andreu Alfaro, na 46ª Bienal de Veneza.
Em 1982, recebeu o Prémio Nacional de Artes Plásticas em Espanha e realizou exposição antológica na Biblioteca Nacional de Espanha, em Madrid, e no Centro Georges Pompidou, em Paris.
Arroyo também se tornou conhecido do grande público através dos seus numerosos trabalhos como cenógrafo e figurinista. Criou cenários para o Piccolo Teatro di Milano, a Ópera de Paris (em 1976, Die Walküre, de Richard Wagner), a Schaubühne am Lehniner Platz em Berlim e o Salzburger Festspiele (em 1991, Z mrtveho domu, de Leoš Janá?ek), entre outros.
Como escritor, é autor da biografia Panamá Al Brown, das peças de teatro Bantam, Sardinas en aceite, El Trío Calaveras, Goya, Benjamin e Byron-boxeur, do diário pintado-escrito Un día sí y otro también, das suas memórias Minuta de un testamento e de um livro de reflexões sobre pintura intitulado Los bigotes de La Gioconda.
Horário: De terça a domingo das 10h às 18h, última entrada às 17h40.
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