"É de Cultura como instrumento para a felicidade, como arma para o civismo, como via para o entendimento dos povos que vos quero falar"

Literatura

Apresentação do livro "Estórias no maçadoiro"

São estórias para todas as idades e o encantamento surge não só nas crianças, ávidas pelo conto e pelo reconto, que lhes permitem descobrir o mundo, mas também nos adultos que cultivam o prazer de escutar essas narrativas e rir de casos caricatos e das armadilhas que a vida nos prepara a todos.

2 Ago 2025  |  21h00

Auditório do quartel dos bombeiros voluntários de Justes
Largo Doutor Avelino Campos 11, Justes
Preço
Entrada livre
Este é um registo sublinhado com ironia e sarcasmo, de um Portugal rural, que se vai perdendo com a modernidade, evitando a anedota e o desconforto de alguma situação, descrevendo-se sempre as circunstâncias e o enquadramento na vida dura e difícil da ruralidade transmontana. Possui alguma ilustração gráfica, conferindo originalidade e leveza ao registo. É uma oportunidade para, em paralelo, evocar a cultura do linho em extinção e valorização de uma grande pedra, que ainda existente e se assume como um ícone desta obra – “o maçadoiro” – pedra de suporte para maçar o linho.
Obra ilustrada.

Prefácio:
As noites de inverno são longas e na aldeia, aqueles que não se deitam no “horário das galinhas”, fazem serão depois do jantar, ao qual se chama ceia, perto da fogueira ou à volta da braseira. Junta-se a família, novos e velhos, conta-se, reconta-se e ouve-se, para passar informação, construir identidade e para preencher o tempo na intimidade do lar.
Nas noites de verão, também apetece conversar. Escolhem-se alguns lugares na rua, os vizinhos juntam-se para saborear o fresco da noite, descansando a fadiga, ou para cumprimentar quem passa, vendo as estrelas, o “satélite” que passa à mesma hora, comentar a rega e as colheitas e tentando adivinhar como será o dia seguinte, olhando o firmamento. De vez em quando solta-se uma gargalhada, que ilustra bem o momento de boa disposição, porém, também se contam estórias de mistério, estórias de muita tristeza ou de alegria, estórias brejeiras, que ocupam o imaginário de várias gerações e as estórias que não se partilharam, durante o inverno, nesta comunidade. No reconto vão-se acrescentando pormenores da autoria de cada contador de estórias, por vezes deforma-se um pouco a realidade, para facilitar ou abreviar o riso ou a tragédia.
“Quem conta um conto acrescenta um ponto”
(provérbio português).
Os locais eleitos são o maçadoiro, o belouro ou rebôlo da Capela de Santa Maria Madalena, as escadas do Alberto do Roque, da Marcília, junto ao Vieira e na Eira do Martinho. Antes, poucos tinham televisão, a comunicação intergeracional era maior, mais rica e mais espontânea, fazendo-se com o comentário do que acontecia na aldeia, os contos e os ditos, os factos que, de tão caricatos, constituíam conto e reconto de partilha, exagerando um pouco ali e acolá, dependendo do contador e da sua habilidade de contar, de prender a atenção dos ouvintes e cativar as suas gargalhadas ou as suas lágrimas. Há uns que são melhores contadores do que outros, cada reconto assume-se como estória nova recheada de pormenores criativos e detalhes que parece mesmo que estamos a ver a cena.
- Conta tu, que tens mais jeito!
Há estórias brilhantes e todas as que aqui são descritas, têm como objetivo divertir respeitosamente e lembrar como a vida era difícil e por vezes miserável, intervalada, com alguns momentos de maior descontração, apesar de se mencionarem algumas lambisgoias e alguns sacripantas que também os há. As estórias têm sempre duas facetas, como as moedas, o lado irónico e divertido, e o lado circunstancial e humano, que deve atender às dificuldades, aos afetos, ao respeito pelo outro e pela diferença. Um dia era um, que estava no alvo da ironia e do sarcasmo, no outro dia seria outro, ninguém escapava, porque a vulnerabilidade faz parte da condição do ser humano.
A televisão, os computadores, os telemóveis e a internet, eliminaram esta tradição campestre e bucólica, restando apenas estórias recontadas com alguma nostalgia, nas horas de lazer de algumas famílias. Recorro à minha memória recoletora de estórias antigas e recentes, que sem serem totalmente verdade, também não são mentira. Cada leitor terá a sua versão. O sarcasmo, o humor, a hipocrisia, surgem como forma de capturar a essência desta gente transmontana cheia de carências, fraquezas e contradições e em simultâneo tão ingénuas e sofridas, um pouco ao jeito Camiliano, com identidade e valores. O maçadoiro é um ícone capaz de unir os tempos. Esta obra é também uma homenagem a esta peça de granito que se referenciará no final da mesma.
Pretendendo salvaguardar a identidade dos supostamente envolvidos, a maioria dos nomes é inventada, assim como um ou outro pormenor, que serve para colmatar a memória da autora, que nem sempre regista os factos com o rigor necessário.
“Mudam-se os tempos mudam-se as vontades”
(Luís de Camões).
Hoje o tempo e os lugares são outros, fruto das circunstâncias da nossa época. O maçadoiro continua a existir, o beloiro da igreja também, as pessoas são outras, a lei da vida e da morte vai-as, naturalmente, substituindo e a forma de comunicar utiliza os canais contemporâneos da web e da inteligência artificial. Estas estórias começam a desenhar-se, intencionalmente, no património imaterial de Justes, que aqui se deixa registo, reunidas numa homenagem à grande peça de granito, o maçadoiro. São 99 estórias, número estranho e intencional, que parece incompleto. Haverá sempre mais uma estória para contar e assim deixa-se a “porta” aberta a outras estórias, que habitam na memória de cada um, ou que se reinventarão no futuro.
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