Exposições
O que elas viram, o que nós vemos. Fotógrafas amadoras em Portugal, 1860–1920
Cerca de 200 imagens captadas por três fotógrafas amadoras portuguesas do início do século XX, cuja investigação recente validou a sua importância artística e histórica, vão ser exibidas a partir de outubro no Museu do Chiado, em Lisboa.

16 Out a 1 Fev 2026
A mostra “terá uma amplitude maior, com mais imagens e documentação do que a realizada no Porto”, indicou à agência Lusa Emília Tavares, conservadora da área da fotografia naquela entidade.
As fotografias a exibir foram captadas entre o final do século XIX e o início do século XX, e revelam um percurso que vai da estética romântica, típica da época, à abordagem pictorialista do início do século XX, indicou a cocuradora da exposição.
As duas mostras – no Porto e em Lisboa - são o ponto de partida de uma investigação mais vasta sobre mulheres fotógrafas em Portugal desde 1860 até 1960, num projeto intitulado WomenPhot coordenado pela professora Susana Lourenço Marques – que também assina a curadoria das exposições –, realizado através de parcerias entre universidades e museus, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Através das duas exposições, a curadoria pretende “reconhecer e integrar plenamente” estas fotógrafas no panorama autoral mais vasto da fotografia portuguesa, “porque muitas mulheres, amadoras e profissionais, continuam invisíveis na historiografia da arte”, disse Emília Tavares à Lusa.
“Além de divulgar a obra inédita destas mulheres fotógrafas, as exposições servem para atualizar a investigação nesta área e prestar o devido reconhecimento público ao seu trabalho”, sustentou Emília Tavares sobre a mostra que ficará patente em Lisboa até 01 de fevereiro de 2026 e será seguida de uma conferência internacional.
Margarida Relvas e Mariana Relvas, respetivamente filha e segunda mulher de um dos mais destacados fotógrafos amadores portugueses do século XIX, Carlos Relvas (1838–1894), produziram, sob a sua orientação técnica e estética, um conjunto de imagens cuja autoria lhes é reconhecida pelas fontes da época.
“Curiosamente, a pouca historiografia feita sobre a família Relvas, nomeadamente a grande exposição sobre Carlos Relvas no Museu Nacional de Arte Antiga [em 2003] não lhes reconheceu [a Margarida e Mariana] uma autoridade autónoma em relação às imagens, o que nos pareceu uma falha grave, uma vez que a imprensa da época tanto nacional como internacional especializada lhes dá um papel de destaque e as reconhece como autoras”, disse a investigadora.
Emília Tavares sustenta que o trabalho de Carlos Relvas, um abastado lavrador ribatejano que criou um estúdio de fotografia na Golegã, “foi conhecido internacionalmente, e até tentou criar uma espécie de escola de fotografia sob a sua influência, através do seu prestígio, qualidade estética e técnica”.
“A própria Margarida Relvas, nas imagens que cria, intitula-se ‘élève de son père’ [‘filha de seu pai’ em português], porque a internacionalização do seu trabalho decorreu sobretudo em França e essa referência a Carlos Relvas era também uma marca de prestígio”, apontou a investigadora.
Por seu lado, Mariana Relvas distinguiu-se sobretudo pela coautoria com Carlos Relvas, nomeadamente na produção de retratos de estúdio, “mas as suas imagens de paisagens revelam uma visão própria e autónoma”. Uma das peças mais emblemáticas desta colaboração com o marido é o álbum “Hespanha França e Suissa” (1889).
Retratos de estúdio, paisagens e naturezas-mortas destacam-se na sua produção, marcada por apurado domínio técnico e sensibilidade romântica, segundo a curadora da exposição que irá apresentar, além das cerca de 200 fotografias, uma área documental com revistas e cartas que ilustram o trabalho destas mulheres pioneiras da fotografia.
Também representada na exposição, selecionada por ter integrado o restrito círculo que procurou afirmar um movimento pictorialista nacional, e por complementar as fotógrafas Relvas, Maria da Conceição de Lemos Magalhães é apontada pela investigação como a fotógrafa amadora “mais prolífica e consistente” do início do século XX em Portugal.
Maria da Conceição Magalhães “tem um trabalho vastíssimo e notável, completamente inédito, nunca exibido, que felizmente a família guardou”, referiu a curadora Emília Tavares à Lusa, acrescentando que a fotógrafa participou e foi publicada, na época, sobretudo em exposições e revistas e estrangeiras, mais do que em Portugal.
“É uma autora muito particular e muito importante para a história da fotografia portuguesa nesta transição do século XIX para o século XX”, sublinhou ainda, vincando que a autora explorou temas como paisagens, trabalho rural e representações femininas em ambientes naturais, numa obra reveladora de “um profundo conhecimento das tendências artísticas da fotografia da época”.
A conservadora do Museu do Chiado comentou que, no decorrer do século em referência, “surgiram mulheres que conseguiram gerir estúdios fotográficos de forma autónoma e sem a dependência do marido ou outro elemento familiar masculino”.
“Isto levou-nos a concluir que na segunda metade do século XIX há um certo ambiente progressista do ponto de vista da educação feminina, surgindo dezenas de revistas dirigidas por mulheres e para mulheres. Se bem que o papel social e familiar da mulher se mantenha mais ou menos conservador, e daquilo que era a moral da época, começa-se a privilegiar o acesso da mulher a temas reservados ao universo masculino”, enquadrou a curadora, apontando que Carlos Relvas foi alguém que revelou essa mentalidade progressista, ao permitir que a filha aprendesse toda a técnica da fotografia para a exercer.
Quanto à proveniência das fotografias a exibir, vão desde coleções privadas a públicas, designadamente a Casa dos Patudos, em Alpiarça, a Casa-Museu Carlos Relvas, na Golegã, e algumas do Museu do Chiado e do arquivo de documentação fotográfica da Museus e Monumentos de Portugal, indicou Emília Tavares.
A curadora disse ainda à Lusa que a investigação nesta área vai continuar, e poderão surgir outras exposições dedicadas a mulheres cujo trabalho se vai conhecendo melhor, com a ideia subjacente de "criar uma base de dados contínua para alimentar mais conhecimento": "Nesta área de investigação sobre fotógrafas, sobretudo neste período histórico, está ainda quase tudo por fazer", concluiu.