Exposições
Irit Batsry: Film Remains // Maria Sassetti: Hora Azul
A Galeria Belo-Galsterer convida para a exposição de Irit Batsry: Film Remains e o projeto de Maria Sassetti : Hora Azul

20 Set a 30 Out 2025
de Irit Batsry
Film Remains fala com duas vozes ao mesmo tempo. Chama a atenção para os fragmentos sobreviventes do filme, as bobines de celulóide em decomposição, partidas e incompletas. Mas também funciona como uma forma de persistência: o filme perdura, mesmo quando as imagens nele contidas desaparecem e o suporte material começa a degradar-se.
Este duplo significado assume uma forma escultórica no espaço da galeria. Nas instalações Film Urns, tiras analógicas de filme, enroladas em recipientes de vidro transparente, assemelham-se a artefactos de um meio prestes a desaparecer. Quando tocadas pela luz, ganham vida. O vidro refrativo e o celulóide dispersam a luz por toda a sala, projetando sombras que se expandem em formas, se dissolvem em anéis e recuam na escuridão. Esta instalação apresenta não uma série de objetos, mas sim uma performance de presença e não presença — o que está ausente tornou-se tão presente quanto o que não está. As urnas sugerem formas funerárias, mas resistem. Não enterram o passado, mas mantêm-no em suspensão, solto e aberto. E, ao fazê-lo, dão-nos o que Derrida chamou de inadequação de todo arquivo, a preservação que é eternamente assombrada pela ausência, pelo que não pode ser acrescentado a ela. Os filmes aqui residentes, outrora anónimos e frequentemente descartados, agora chamam-nos com a sua fragilidade, pedaços de vidas examinadas e não exibidas.
É a relação entre o filme e o vidro que dá ressonância a estas obras. Um regista o espetro perdido de uma imagem, desaparecida e morta; o outro distorce-as e fragmenta-as para criar novas arquiteturas de luz. Nestas urnas, o vidro torna-se o colaborador, permitindo que o filme permaneça, não através de narrativas intactas, mas através da dispersão espectral.
O processo de apagamento reaparece nas três obras de montagem de espelhos, onde as imagens dos espectadores se dissolvem em «paisagens cinematográficas» criadas por filmes antigos de 35 mm com uma emulsão parcialmente apagada. Aqui, o eco do desaparecimento é um gesto intencional, onde o encontro do corpo e do celulóide dá um novo significado ao trabalho incompleto do arquivo. Fragments of an Accidental Archive, uma instalação de vídeo de dois canais, expande a retenção do tempo da exposição: um, meditando sobre as imagens das aparições tremeluzentes dentro das urnas; e um segundo, onde a viagem das bobinas de filme do mercado de pulgas aos excertos digitalizados é desvendada. Juntas, elas situam o trabalho não como preservação, mas como transformação, na qual a memória permanece no próprio ato de desaparecer.
Aqui, porém, em Film Remains, o que permanece não é a imagem inteira, mas a sua vida após a morte. Sombra, reflexo e resíduos dançando no vidro, ainda girando com a respiração no intervalo frágil entre o passado e o que resta.
Alexia Alexandropoulou
Setembro de 2025
A Hora Azul
de Maria Sassetti
HABITAR O INTERVALO
“Blue has no dimensions, it is beyond
dimensions.”
Yves Klein
É a primeira vez que apresentamos o trabalho de Maria Sassetti na Galeria Belo-Galsterer; a simplicidade na técnica e nas cores surpreendem quem ainda não conhece o seu trabalho.
Com uma palete singela que é declinada através da mesma técnica em vários matérias, a artista apresenta-nos uma nova série de trabalho. É o que à primeira vista parece uma série de desenhos, mas que depois vamo-nos apercebendo que se trata de umas gravuras feitas na técnica de Suminagashi “tinta flutuante”, sendo uma técnica milenar, praticada no Japão desde o século XXII. A tinta é colocada numa bacia com água sobre a qual a tinta é jorrada e depois o papel aplica-se sobre a tinta, na qual permanece muito pouco tempo, tornando-se a obra um gesto contido, resíduo de um mergulho.
No Japão, esta técnica foi desenvolvida por mestres de forma ritualística, o que tem muito a ver com a forma como Sassetti encara a arte, um ritual que lhe permite exteriorizar-se.
Usando as cores índigo e preto, cores originais que se usaram no receituário japonês durante séculos, ela mantém-se fiel à tradição original.
Os dezasseis Suminagashi de pequeno formato, da série Ondulações, que marcam o seu projeto, são acompanhados por duas instalações, tinta azul sobre papel de arroz: obras que transitam entre a luz e a escuridão, uma exposição-projeto que “habita o intervalo, entre som e silêncio, entre figura e dissolução, entre presença e ausência.
A tradição do azul em Portugal na arte e no artesanato vale uma chamada de atenção; Sassetti usa uma tonalidade que não lhe é estranha e que cruza a sua herança cultural com a de um país tão longínquo, mas com quem Portugal também teve relações seculares.
Sassetti cria o seu próprio ritual artístico em que cruza o presente e o passado e cria obras para o futuro.
Alda Galsterer
Setembro de 2025