"É de Cultura como instrumento para a felicidade, como arma para o civismo, como via para o entendimento dos povos que vos quero falar"

Pedras no meio do caminho

VI. O país chorando génio…

Há sempre novos mistérios na cidade. A memória de Acácio, o renomado Conselheiro, suscitou-nos o problema de saber onde terá ido parar a estatueta de lioz de Pero Pinheiro, que se encontrava no Alto de S. João no mausoléu em honra da figura de Pacheco, celebrado por Carlos Fradique Mendes, e esculpido por sugestão de Acácio, em carta ao Diário de Notícias, “Portugal chorando o Génio”.


Alguns anos após a morte do notório admirador de Luísa, alguém desejou homenagear Pacheco e Acácio, depondo um ramo de gerberas no mítico monumento. Porém, esse alguém não encontrou mais do que um infame buraco e uma a tabuleta anunciando novo jazigo que ali se iria erguer. Um desalento, um despautério. Onde fora parar a escultura erguida com tanta devoção pela diligência do Conselheiro?


Importa lembrar o que diz Fradique do talentoso Pacheco: “Tenho presente, como num resumo, a sua figura e a sua vida. Pacheco não deu ao seu país nem a obra, nem uma fundação, nem um livro, nem uma ideia. Pacheco era entre nós superior e ilustra unicamente porque tinha um imenso talento. Todavia (…) esse talento que, duas gerações tão soberbamente aclamaram, nunca deu, da sua força, uma manifestação positiva, expressa, visível! O talento imenso de Pacheco ficou sempre calado, recolhido nas profundidades de Pacheco! Constantemente ele atravessou a vida por sobre eminências sociais: Deputado, Diretor Geral, Ministro, Governador de bancos, Conselheiro de Estado, Par, Presidente do conselho – Pacheco tudo foi, tudo teve, neste país que, de longe e a seus pés, contemplava assombrado do seu imenso talento. Mas, nunca, nestas situações, por proveito seu ou urgência de Estado, Pacheco teve necessidade de deixar sair, para se afirmar e operar fora, aquele imenso talento que lá dentro o sufocava. Quando os amigos, os partidos, os jornais, as repartições, os corpos coletivos, a massa compacta da nação, murmurando em redor de Pacheco “Que imenso talento!” o convidavam a alargar o seu domínio e a sua fortuna – Pacheco sorria, baixando os olhos sérios por trás dos óculos dourados, e seguia, sempre para cima, sempre para mais alto, através das instituições, com o seu imenso talento aferrolhado dentro do crânio como no cofre de um avaro. E esta reserva, este sorrir, este lampejar dos óculos, bastavam ao país que neles sentia e saboreava a resplandecente evidência do talento de Pacheco”. Mas que aconteceu verdadeiramente? Moveram-se céus e terra. Consultaram-se os arquivos do Município. De facto, um mestre de obras conseguira comprar por tuta e meia o que restava do sublime monumento, mas nada revelava onde fora para a estátua. Guardada num armazém? Vendida a um ferro velho? Na arrecadação de um antiquário? Nada. A procura foi aturada e sistemática. E lembro mais um passo da genial invocação de Fradique: o talento de Pacheco «nasceu em Coimbra, na aula de direito natural, na manhã em que Pacheco, desdenhando a “Sebenta” assegurou ‘que o século XIX era um século de progresso e de luz’. O curso começou logo a pressentir e a afirmar, nos cafés da Feira, que havia muito talento em Pacheco: e esta afirmação cada dia crescente do curso, comunicando-se, como todos os movimentos religiosos, das multidões impressionáveis às classes raciocinadoras, dos rapazes aos lentes, levou facilmente Pacheco a um prémio no fim do ano. A fama desse talento alastrou então por toda a academia – que, vendo Pacheco sempre pensabundo, já de óculos, austero nos seus passos, com praxistas gordos debaixo do braço, percebia ali um grande espírito que concentra e se retesa todo em força íntima. Esta geração académica, ao dispersar, levou pelo país, até os mais sertanejos burgos, a notícia do imenso talento de Pacheco. E já em escuras boticas em Trás-os-Montes, em lojas palreiras de barbeiros do Algarve, se dizia, com respeito, com esperança: - “Parece que há agora aí um rapaz de imenso talento que se formou, o Pacheco!». Mas faltava saber onde estava a estátua…     

Agostinho de Morais

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