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Exposições

Caminho da Montanha, Caminho do deserto do artista Manuel San-Payo

A exposição em exibição no Solar dos Zagallos de 15 de julho a 3 de setembro de 2023, reúne desenhos e pinturas de
Manuel San-Payo de um período que vai de 2019 a 2023, fortemente marcado por uma reflexão em torno do elemento mineral, na sua relação com o tempo, com o humano e com a natureza do desenho e do trabalho artístico.

15 Jul a 3 Set 2023

Solar dos Zagallos
Largo António Piano Júnior 2815-761 Sobreda
Preço
Entrada livre
Se toda a obra de Manuel San-Payo é essencialmente devedora do desenho na sua evidente componente gráfica, mantendo desde há décadas uma disciplinada prática diária de desenho de observação do quotidiano, é certo que mesmo a dominante abstracta da sua obra mantém um conflito latente com a figura e a figuração, sempre aí subjacentes ou em suspensão. «Planetas Portáteis e Outras Ruínas», exposição de 2019 na Galeria Monumental, em Lisboa, marcou o regresso a uma figuração aparente, ancorada na pedra.

Momento de um ciclo essencial, intemporal, a pedra é lugar/suporte existencial, mas também registo estratigráfico em que a escala temporal do humano e do universal se dissolvem. O artista encontrou neste tema uma relação íntima com as questões da grafia e do registo, não só na vertente conceptual da palavra (lapis, traço, estrato) mas também na prática directa da utilização de meios e suportes gráficos intimamente relacionados com essa realidade — o carvão, a grafite, o traço, a incisão. Gravitas/Levitas.

Esta exploração prossegue em «Contas», apresentada na galeria Passevite, em 2020 — uma mostra do seu cabinet d’artiste que englobou desenho, pintura e objectos, tratando dos meios e dos cálculos (do latim calculi, as contas do ábaco) do trabalho e não só, bem como das narrativas silenciosas e evidentes que o elemento mineral nos conta sobre o mundo: «uma narrativa de tempo lento onde cabem todas as narrativas, a interrogação ao que está para diante, a interpelação ao invisível, a mais antiga maneira registada de quantificar o que nos rodeia e de o organizarmos simbolicamente.»

O percurso pelo caminho das pedras atravessou o deserto que vivemos colectivamente no início da década e foi conduzindo a uma meditação existencial parcialmente exposta em «Estudos para Sísifo», na galeria IMARGEM, em Almada, já em Abril deste anos de 2023. Aqui, o artista comenta telegraficamente os trabalhos sem fim do sumamente humano Sísifo: «Deus e o diabo estão nos detalhes. O Deus das pequenas coisas. Coisas donde nascem coisas. O absurdo das coisas. O refúgio nas casas. Lutas sem causas. Avançar sem acreditar. Duvidar apenas como método e nós somos contra o método. Notas de viagem? Notas: alguma coisa de diferente? Uma caminhada. Um enorme título como os que se produziam antigamente. De casa às costas, o povo, na Páscoa, a rolar pedras.» 

Lutas sem causas. Avançar sem acreditar e avançar contra o método, eis uma descrição do trabalho artístico — qual Sísifo condenado pelos deuses, em virtude do seu desrespeito, ao castigo maior do trabalho inútil e sem esperança de rolar uma pedra pela montanha acima apenas para a voltar a ver tombar pela encosta até ao sopé: «[...]Sísifo é o herói absurdo. É-o tanto pelas suas paixões como pelo seu tormento. O seu desprezo pelos deuses, o seu ódio à morte e a sua paixão pela vida valeram-lhe esse suplício, em que o seu ser se emprega em nada terminar. É o preço que é necessário pagar pelas paixões desta terra.» 1 

Como nota Yvette Centeno no texto «Manuel San-Payo: Pedras Filosofantes», que acompanha esta exposição, «Se desejássemos fazer um pouco do trajecto da meditação deste tema e deste artista, forçoso seria falar do mito de Sísifo, que descobrimos nos seus desenhos, e foi trabalhado por Albert Camus, sublinhando nele o esforço do criador, sempre derrotado e sempre renovado, pois já nos alquimistas (e haveria tantos a citar) o importante é o esforço (o trabalho) da Obra, como dizem.» 

Caminho da montanha, caminho do deserto não tem fim. «O rochedo ainda rola [...]Cada grão dessa pedra, cada estilhaço mineral dessa montanha cheia de noite, forma por si só um mundo. A própria luta para atingir os píncaros basta para encher um coração de homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.»

1 Albert Camus, «O Mito de Sísifo», in O Mito de Sísifo, Trad. Urbano Tavares Rodrigues, Lisboa, Livros do
Brasil, 2016.
2 Idem.
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